“O trem corre e grita, com sua cabeleira de fumaça esvoaçante ao vento.”
(Rodolpho José Del Guerra)
“... renovada beleza do inesperado trem apitando tão próximo.”
(Márcio José Lauria)
O trem que passava em São José do Rio Pardo, poeticamente evocado nos trabalhos de recomposição histórica de paisagens, pessoas e fatos dos dois cronistas-mores da cidade, pertenceu de início a uma companhia férrea rio-pardense fundada em 1884, na então Freguesia de São José do Pardo.
Como sabemos, inúmeros municípios paulistas tiveram seu progresso ou mesmo sua fundação com a chegada dos trilhos da Mojiana. Em São José do Rio Pardo foi diferente: os cafeicultores criaram seu ramal próprio e o ofereceram à Mojiana em pleno funcionamento, com quatro trens diários de tráfego mútuo para Casa Branca.
De que maneira foi possível tamanha proeza à pequenina São José de então?
A iniciativa de construção de uma ferrovia que, partindo de Casa Branca, fosse ter às divisas de Minas Gerais, passando por São José do Rio Pardo, deveu-se ao engenheiro dr. Martiniano Brandão e dois sócios, os quais obtiveram o privilégio em 1880, através da lei provincial nº 87, de 21 de abril.
A CRIAÇÃO DA COMPANHIA RAMAL FÉRREO DO RIO PARDO
Devido às dificuldades encontradas para assinar o contrato com o governo da província para a construção da ferrovia, o dr. Martiniano Brandão, procurado pelo dr. Costa Machado, presidente da província de Minas Gerais em 1867 e 1868 e radicado em São José do Rio Pardo com grandes fazendas, aceitou ceder o privilégio a uma companhia a ser criada.
Nasceu assim a Companhia Ramal Férreo do Rio Pardo, instalada aos 2 de março de 1884, com um capital nominal de 1.300:000$000.
Assinado o contrato com o governo aos 3 de abril do mesmo ano e aprovadas as plantas em dezembro, já pôde a nova empresa, no. dia 15 de fevereiro de 1815, começar as obras que tiveram inicio na Lagoa, entroncamento no quilômetro 155 da linha Mojiana.
A QUESTÃO COM A COMPANHIA MOJIANA
A lei que concedeu o privilégio ao Dr. Martiniano Brandão declarou ponto de junção do ramal com a linha Mojiana, a divisa de Casa Branca. Como a divisa de Casa Branca, era no Jaguari-Mirim, ponto inconveniente sob o aspecto legal e econômico, o engenheiro do ramal projetou o entroncamento na Lagoa, visto que aí poupava 14 quilômetros de percurso. A companhia Mojiana, entretanto, entendeu que o entroncamento deveria ser realizado na estação de Casa Branca. Sentindo-se prejudicada em seus interesses, a Mojiana protestou e aos 27 de abril de 1885, obteve do Juiz Municipal de Casa Branca um embargo, suspendendo a execução das obras desde a Lagoa até o Rio Verde.
Protestando junto ao governo provincial e recorrendo ao Poder Judiciário, a poderosa companhia obrigou o Ramal do Rio Pardo a discutir os dois tribunais; mas o presidente da Província, em agosto, submeteu a questão ao governo imperial. Enquanto isso, o Ramal do Rio Pardo continuou os trabalhos no trecho não embargado, isto é, do Rio Verde até São José do Rio Pardo.
Em conseqüência dessa questão alguns acionistas, desanimados, retiraram-se da Companhia do Ramal ocasionando embaraços e dificuldades, pois já havia sido comprada parte do material importado.
O ACORDO COM A MOJIANA
Passado quase um ano da paralisação dos serviços, causando prejuízos consideráveis a ambas as parte, as companhias Mojiana e Rio Pardo, a fim de terminarem com a questão pendente, estabeleceram um acordo assinado aos 17 de abril de 1886.
Representando a diretoria, por procuração dos diretores do Ramal, tenente-coronel Antônio Marçal Nogueira de Barros e major José Monteiro de Lima, o dr. Martiniano Brandão e o Barão de Parnaíba, procurador da diretoria da Mojiana, concordaram no seguinte:
A Companhia do Rio Pardo fará o entroncamento de seu Ramal na linha Mojiana na estação de Casa Branca;
Por toda a exportação do Ramal do Rio Pardo, entre a estação de Casa Branca e a Lagoa, a Companhia Mojiana só cobrará o frete correspondente a cinco quilômetros calculados pelas tarifas da Companhia Rio Pardo;
No frete do material que for importado para a construção da primeira seção do Ramal Rio Pardo, a Companhia Mojiana fará uma redução de 17:000$000, como compensação equitativa pelos trabalhos da linha da Lagoa, que ficam prejudicados;
O custeio e aluguel da Estação de Casa Branca não serão cobrados à Companhia do Rio Pardo durante os cinco primeiros anos, contados da inauguração do Ramal, sendo todo esse serviço feito gratuitamente pela Companhia Mojiana.
A INAUGURAÇÃO DO RAMAL DO RIO PARDO
Após os necessários entendimentos, prosseguiram as obras em ritmo acelerado e já aos 6 de março de 1887, chegaram a Casa Branca, as locomotivas, vagões e trilhos.
Por despacho do presidente da Província, o Barão de Parnaíba, foi aberta ao tráfego provisório a primeira seção da estrada. Um trem misto diário e alguns trens de carga deveriam percorrer os 35 quilômetros com velocidade limitada a 25 quilômetros horários.
No dia 7 de setembro de 1887, chegou a São José do Rio Pardo o primeiro trem; deixamos à imaginação dos leitores a descrição do festivo evento.
A abertura do tráfego mútuo com Casa Branca foi efetivada a 1º de dezembro, com quatro trens diários.
Na ocasião eram seus diretores: dr. José da Costa Machado de Souza, tenente-coronel Antônio Marçal Nogueira de Barros, Firmino de Araújo Aguiar, Antônio Augusto Monteiro de Barros e Pedro Arbues da Silva.
Entre os acionistas, além dos diretores, anotamos: dr. Ricardo Soares Batista, Antônio Mercado, Dâmaso Ribeiro Machado, João Batista Junqueira, Luiz Carlos de Mello, Maria Cândida Ribeiro, Joaquim Augusto Ribeiro do Valle, senador Antônio da Silva Prado, Joaquim da Costa Monteiro, José Jorge Nogueira, dr. Antonio Cândido Rodrigues por sua mãe dona Jesuína e seus filhos Mário, Alice, Horácio e Nadeia, dr. Martiniano Brandão e muitos outros.
O capital nominal foi elevado a 1.481:000$000, correspondendo a 7.405 ações no valor de 200$000 cada uma.
O material permanente constava de três grandes locomotivas, três carros de passageiros, um carro de correio e bagagens, um carro de escritório, quatro vagonetes de linha, seis vagões de lastro, 16 vagões fechados para cargas, 11 gôndolas, um vagão para animais, um vagão para inflamáveis e um vagão guindaste para 5 toneladas.
O telégrafo estava sendo montado para oito estações com telefones e os prédios das estações do Rio Doce e São José do Rio Pardo achavamse em construção.
A FUSÃO COM A COMPANHIA MOJIANA
Pouco depois de inaugurado o trecho Casa Branca — São José, foi dada a continuidade aos trabalhos da segunda seção, o trecho São José — Mococa, tratando-se em outubro da compra de 40 mil dormentes para essa linha.
A questão com a Mojiana havia desgastado a Companhia Rio Pardo em capitais e créditos; os prazos do contrato com o governo provincial tiveram de ser prorrogados várias vezes; a empresa atravessava dificuldades financeiras para o término da segunda seção.
A fim de resolver o impasse, a diretoria convocou uma Assembléia Geral Extraordinária para 28 de novembro, sendo apresentadas e aprovadas, entre outras, as seguintes propostas:
Autorizando a diretoria a contrair empréstimo até a quantia de 650:000$000 para o prolongamento de linha até Mococa, emitindo ações no valor correspondente;
Autorizando a diretoria, tendo em vista o atual estado da Companhia, a entender-se com as Companhias Mojiana, Paulista ou outras quaisquer no sentido de estabelecerem as bases para a fusão com a Companhia Ramal Férreo do Rio Pardo, estudando as mais convenientes;
Autorizando a Diretoria a suspender os trabalhos de construção em andamento.
O ano de 1888 foi decisivo para a companhia. Em fevereiro iniciou-se a venda de ações (chamada de capitais) para a linha São José — Mococa e a diretoria oficiou às diversas companhias férreas propondo a fusão do Ramal, conforme autorizado na última Assembléia.
Convocada nova Assembléia Geral Extraordinária para maio, dia 15, a fim de se estudarem as propostas, somente a Mojiana compareceu, a Companhia Paulista enviou ofício comunicando não poder propor condições de fusão antes de saber as bases oferecidas pela Companhia do Rio Pardo.
A Companhia Mojiana ofereceu que a fusão seria feita pela quantia de 1.546:361$770 e substituição das ações da Companhia Rio Pardo pelas da Mojiana.
Aceita a proposta, que aliás foi a única, consignou-se um voto de louvor à diretoria pelo modo brilhante e correto com que dirigiu os destinos da Companhia Ramal Férreo do Rio Pardo.
Aos 30 de junho, a diretoria da Mojiana e os representantes do Ramal Rio Pardo assinaram perante o Governo Provincial o contrato de fusão ficando extinta para todos os efeitos a Companhia Ramal Férreo do Rio Pardo.
Como estrada autônoma, foi de curta duração, mas cumpriu sua finalidade histórica: fazer com que a Mojiana passasse por São José do Rio Pardo, levando o progresso a uma vasta e fértil região.