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Euclides e o berço de Os Sertões
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Sertão: a lei do cão
2009-11-13 15:42:22

 

Sertão: a lei do cão

“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é o homem humano. Travessia.”

(Guimarães Rosa)

 

 

Quase... Existe é o homem-besta, homem-animal, homem-monstro, homem-vampiro. Homem-canibal. Estes é que são o Mal!

Há homem-coração, homem-amor, homem-doação, homem-irmão. Cada vez mais rareados, porque são abafados, ridicularizados, exterminados. Sobrevive o homem-besta, que vende a alma ao diabo, faz pacto com o demo, dá tudo que tem para ficar rico e famoso... E quando sobe, esquece do que foi um dia. Apaga as raízes, e o mundo que se dane!

E rouba, e agride, e grita, e humilha, e mata... O senhor atente... não importa de que lado ele esteja, o que é ruim está sempre do lado do cão-tinhoso. Favelas sem água, sem luz. Defunto em carrinho de supermercado. Tiroteio no meio da noite. Inocentes nem têm para onde correr... A jovem varada pela cerzideira, que atinge também o bebê no colo... O líder de um movimento de paz que é morto por assaltantes, mas deixado agonizante por policiais que levam o que os ladrões roubaram... Nâo dá para saber mais que lado é bom ou ruim. De todos os lados a podridão fede.

Vermes devoram o corpo em putrefação, deitado sempre em berço esplêndido. Não se levanta. Não reage. Não expulsa o maligno que lhe corrói as entranhas. Vomitasse, ao menos... Nenhum jeito.

 

“O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte,  com as astúcias.”  (G.R.).

 

O Conselheiro estava certo... O sertão virou mar e o mar virou sertão. A lei do cão. Alma vendida, pactária. Corpo penhorado até os ossos, com o chavelhudo. Vade-retro! Pode chamar quem for para benzer, não arreda pé, porque a morada dele é no próprio homem, bem lá no fundo. É tudo junto: Caim, Judas Iscariotes que se perpetuam.  Quem desconfia, fica sábio!

E o arrenegado quer sangue e confusão. Monta alçapão, laço, ardil e emboscada. Espera o pobre na curva mais desgraçada. No hospital, engana até doente de câncer, que fica parado na máquina quebrada, no engano de que está se tratando...

O coisa-ruim é ardiloso, sedutor. Usa careta, nada! É mascarilha de artista, de beleza tamanha. Corpo de lutador. Falsifica, traveste-se, faz feitiço, encantamento, sortilégio. Bombardeia de todo lado, com qualquer arma, até ocupar o terreno todo. Então já era.

Mas injustiça feita, enviada, trabalhada, um dia volta na contramão. Aí não há o que poder, aí é gemer e chorar que a dor não passa. E dá-lhe desgraça e mais desgraça, de geração em geração, acertando as contas atrasadas de pais e irmãos.

Agora, nas cidades grandes, quem manda é o jagunço. E jagunço é isso: “Jagunço não se escabreia com perda nem derrota – quase tudo para ele é o igual.” (G.R.) Sabe que a morte é sua companheira, anda com ele lado a lado e a qualquer hora lhe sobe no lombo. Não tem medo, não tem sentimento. Vive no automático, em “trégua de pantera.” Pudera! Neste país onde o sério é mentiroso e a verdade é traiçoeira, pode ser na primeira que se derrape.

É preciso ser humano. Humano-coração, humano-sorriso, humano-irmão. Lembrar que Deus é paciência e que vivendo se aprende.... Mas o que se aprende mais é mesmo só a “fazer outras maiores perguntas.” Respostas? Nonada. Ou resvala.

Viver no sertão, meu senhor, é para quem tem tutano. Porque sertão, antes de tudo, é “onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar.” Só assim se sobrevive.

Guarde bem isso, e fique em paz.”

 

Maria O. G. R. Arruda

 
Maria O. G. R. Arruda
 
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