Na noite de 24 de dezembro último, recebi um e-mail com o título: "VOTOS (NÃO POLÍTICOS)", referente à mensagem: "Maria Olívia, que você e todos da sua família tenham um Natal feliz e 2010 com paz e saúde. Abraço, Joel." Um título desses só podia ser, é claro, do grande amigo Joel Bicalho Tostes, viúvo de Eliethe da Cunha Tostes, neta de Euclides da Cunha.
Só pude ler o e-mail no dia 26, pois no dia de Natal não houve tempo nem para ligar o computador. O bom humor característico do amigo deixou-me contente, pois concluí que ele estava bem de saúde, tanto que a resposta que lhe enviei foi, também, de votos positivos para o ano que se iniciaria e desejando-lhe, antes de tudo, muita saúde.
A resposta causou-me um baque: no dia 1° de janeiro, Denise, filha de Joel, respondeu o meu e-mail contando que o pai falecera no dia 31 e fora enterrado naquele primeiro dia de 2010!
Apesar do choque, da tristeza pela perda do grande amigo e incentivador, sei que essa sua passagem para outra dimensão cessou o sofrimento de alguém que há tempos estava totalmente dependente das seguidas hemodiálises. Chegou, para ele, o descanso merecido do grande guerreiro!
Joel batalhou décadas para resgatar os artigos de Euclides e esclarecer alguns pontos ainda obscuros na biografia do grande escritor. Fez imensas pesquisas nos arquivos da Biblioteca Nacional e sempre dizia da certeza de ainda haver textos de Euclides por descobrir, com o que também concordo, embora saibamos todos das dificuldades para se encontrar qualquer um desses documentos.
Conheci Joel na Semana Euclidiana de 1982, na ocasião do traslado dos restos mortais de Euclides e de seu filho Quidinho. Com o passar do tempo, e em vários contatos por carta, telefone, depois e-mail, fomos nos aproximando mais, conforme minhas pesquisas iam se encaminhando na direção que ele já havia apontado.
Enviou-me, nesses anos todos, várias anotações e muitos outros materiais de pesquisa bastante relevantes para quem estuda a biografia euclidiana.
Joel estava sempre atento a qualquer fato que envolvesse o nome de Euclides da Cunha. Eis o que ainda se encontra no blog do acreano Altino Machado: "Joel Bicalho Tostes disse... Graças ao Globo de hoje 17/04 (Gravatá) chegamos ao seu blog. Em decorrência, abalançamo-nos dizer-lhe - se achar conveniente, claro - da possibilidade de sugerir a Glória Perez avaliar incluir na projetada minissérie Amazônia, que ela parece já estar elaborando, alguma referência abrangendo a extraodinária missão comandada em 1905 por Euclides da Cunha, que escreveu páginas extraordinárias sobre a região, dentre as quais avulta notavelmente "Judas Ashverus". Partindo de um jornalista entrevistador da novelista, e acreano, é bem viável possa ela avaliar tal possibilidade. Se soubéssemos o e-mail de GP, a quem tivemos o privilégio de conhecer quando da feitura de Desejo (1989/90), mandaríamos daqui de Cabo Frio/RJ tal alvitre.Seria um outro bom serviço por ela prestado ao Acre e àquele escritor. Parabéns pelo blog. Saudações. Joel Bicalho Tostes.
Fica a sugestão a Glória Perez: que tal recriar a saga de Euclides na Amazônia? E incluir também a do filho Solon, que lá foi assassinado?
Retomando as lembranças que tenho do querido amigo, Joel (não gostava que o chamasse de "senhor") era uma pessoa culta, inteligente e de fino humor, que cativava as pessoas. Brincávamos sempre que faríamos o "clube dos euclidianos capricornianos", pois ele era do dia 25 de dezembro, portanto do signo de Capricórnio, assim como Galotti e o próprio Euclides também o eram, e - por acaso ou não - também sou. No mínimo, um grupo de teimosos!
Joel, você nunca se esquecia do meu aniversário... Senti falta de suas palavras brincalhonas e encorajadoras neste ano! Devo a você tantas coisas, entre elas, as homenagens recebidas em nome da família Cunha, reconhecendo-me como estudiosa de Euclides. Por tudo isso o seu lugar no meu coração é permanente e eterno, mas eu sei que, de agora em diante, não necessitaremos mais dos tradicionais meios de comunicação!
Quero lembrar aqui a iniciativa de Joel ao reunir a família de Euclides para gravar "Os sertões" em áudio, projeto efetuado por Lázaro Curvelo Chaves, quando diretor da Casa de Cultura Euclides da Cunha. Aliás, a meu ver, esse trabalho não foi valorizado como merecia, portanto alerto que aos poucos vai se tornando uma preciosidade no acervo de versões dessa grande obra, pois além da gravação de Joel e da família Cunha, traz ainda partes gravadas por doutores de grandes universidades do Brasil e do exterior, como também a voz do saudoso professor Roberto Ventura, a quem coube a leitura da "Quarta expedição". Entre as gravações estão igualmente as realizadas por outros professores que continuam participando do Ciclo de Estudos Euclidianos, da cantora Celina Agliussi, do artista plástico Otoniel Fernandes Neto e de autoridades de Cantagalo, Rio de Janeiro.
Enfim, não é possível escrever neste espaço tudo o que sei a respeito das atividades de Joel em defesa do nome de Euclides, mesmo porque estou certa de que outros professores o farão.
Encerro fazendo minhas as palavras do professor Nicola: Joel resistiu até o último dia do ano do centenário da morte de Euclides. Então, considerada concluída a tarefa a ele destinada, descansou. Juntou-se a tantos euclidianos que já partiram também.
À família, minha solidariedade nestes momentos difíceis e todo meu reconhecimento por tudo que Joel e também vocês fizeram pelo movimento euclidiano, particularmente o de Rio Pardo e meu compromisso - como já havia dito a Joel - de continuar sempre lutando para a divulgação das idéias de Euclides e de continuar, à medida do possível, as pesquisas e as publicações sobre o assunto.
Saber morrer
liberta-nos de toda a
sujeição e imposição.
Na vida não existe mal
para aquele que
compreendeu que a
privação da vida
não é um mal.
(Montaigne)