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ANTÔNIO CONSELHEIRO: LÍDER CARISMÁTICO
2010-01-27 14:22:39

 

ANTÔNIO CONSELHEIRO: LÍDER CARISMÁTICO

BRAVURA, RESISTÊNCIA E RELIGIOSIDADE NOS TEMPOS DA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA

Leandro Leal de Freitas[1]

 

No Brasil, onde historicamente é bastante nítida a afeição das pessoas a líderes carismáticos, não é de se espantar a dimensão que ganharam os atos de Antônio Conselheiro. A sociedade brasileira, à época, tendo passado por profundas transformações – exemplos disso são a abolição da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, em 1889 – e, mesmo assim, não operando reais mudanças na vida da população, sobretudo a mais carente, abriu espaço para o irrompimento de diversos movimentos reivindicatórios e de contestação da ordem vigente. Nesse contexto, “Antônio Vieira Mendes Maciel ganhou o apelido de Conselheiro à medida que assume a responsabilidade de tentar guiar/aconselhar/apontar respostas para os problemas dos sertanejos humildes” (Torres, 2000, p.4), os quais viviam na completa miséria econômica, social e cultural, explorados pelo latifúndio e sem comunicação com as grandes cidades do litoral. Desse modo, “a confiança que inspirava em numerosas pessoas [...] revela que Antônio Maciel não era um lunático, um irresponsável, mas um homem compreensivo e experiente, sempre disposto a resolver os interesses dos outros.” (Moniz apud Rios, 1994, p.64).

Max Weber, quando do estabelecimento do tipo-ideal de dominação carismática, apresenta a adesão irracional que o dominado devota ao seu líder como justificativa para a submissão. O fundamento desse tipo de dominação está no carisma, nos poderes discursivos e/ou sobrenaturais. Assim, Conselheiro torna-se um “delegado dos céus”, personalizando-se na figura do profeta, tal qual descrita por Weber. Ele se transforma, a partir daí, na única alternativa daqueles sertanejos alijados de direitos, fato fundamental para se entender o porquê da tamanha dimensão tomada por Canudos (tida como a terra prometida, onde todos seriam livres e iguais).

Hábil orador e profundo conhecedor da realidade social do sertão, Conselheiro torna-se um risco à autoridade dos coronéis, do Estado e até da própria Igreja. “[...] A atuação de Conselheiro como chefe religioso desdobrava-se naturalmente na de chefe político, deixando sem função os coronéis. O exemplo de Canudos [...] amedrontava as oligarquias sertanejas. Os homens de Canudos não temiam mais os coronéis, as autoridades políticas e policiais” (Cárceres, 1999, p.252-253). Aqui, pode-se ver o caráter revolucionário das ações de Conselheiro, o qual “dava um sentido à vida dos sertanejos, demonstrando no dia-a-dia os limites do poder autocrático do Estado, da Igreja e dos latifundiários e, mais ainda, a possibilidade de superação desta ordem social”. (Villa apud Costa, p.1)

Politicamente, Antônio Conselheiro repudiava a república, a qual trouxe mudanças inaceitáveis. Para ele,

 

[...] a república quer acabar com a religião, esta obra prima de Deus que há dezenove séculos existe e há de permanecer até o fim do mundo; porque Deus protege a sua obra: ela tem atravessado no meio das perseguições, mas sempre triunfado da impiedade. Por mais ignorante que seja, o homem conhece que é impotente o poder humano para acabar com a obra de Deus. (Maciel apud Rios, 1994, p.18-19)

 

Para Weber, “o senhor carismático tem de se fazer acreditar como senhor pela graça de Deus” (apud Cohn, p. 137). Nesse sentido, Conselheiro se coloca como sendo um enviado de Deus para solucionar os graves problemas enfrentados pelos sertanejos. Segundo ele,

 

Todo poder legítimo é emanado da Onipotência eterna de Deus e está sujeito a uma regra divina, tanto na ordem temporal como na espiritual, de sorte que, obedecendo ao pontífice, ao príncipe, ao pai, a quem é realmente ministro de Deus para o bem, a Deus só obedecemos. (Maciel apud Rios, 1994, p.21-22)

 

Note-se que essa passagem, escrita pelo próprio Conselheiro, relaciona-se claramente à noção de líder carismático que Weber propõe, de acordo com a qual o carisma se fundamenta na fé, nas revelações dos profetas e nos atos heróicos, de uma manifestação religiosa.

Prometendo o reino dos céus aos que sofriam na miséria do sertão (talvez pelo descaso do governo, bem como de toda a sociedade litorânea, fato denunciado por Euclides da Cunha), a figura carismática de Antônio Conselheiro, o “profeta” em termos weberianos, alcança poder. Esse poder é legitimado pelos sertanejos, fazendo com que Conselheiro passe a ser a única autoridade reconhecida por eles.

Destarte, as características psicossociais de Conselheiro, apontadas no decorrer do texto, demonstram claramente a sua transformação em líder: um líder carismático. Segundo Weber, a liderança carismática surge “em virtude da devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmos, poder intelectual ou de oratória” (apud Cohn, 1991, p. 134)

 Portanto, baseado no que foi apresentado acima, pode-se, sim, enquadrar Antônio Conselheiro na categoria weberiana de líder carismático; pois, através do poder legitimado em função da dominação carismática, ele encantava o povo, fazendo com que o seguisse rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, em contraponto ao que vinha ocorrendo na recente República Federativa do Brasil.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

 

CALDEIRA, Jorge et al. Viagem pela história do Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das letras, 1997. p.365.

 

CÁRCERES, Florival. História do Brasil. 1.ed. São Paulo: Editora Moderna, 1997.

 

CASTRO, Ana Maria; DIAS, Edmundo (Org). Introdução ao pensamento sociológico. São Paulo: Centauro, 2001. 252 p.

 

COHN, Gabriel (Org). Weber. Sociologia. 7.ed. São Paulo: Campos, 2002. 167p.

 

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 7. ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

 

COSTA, Nicola S. Antônio Conselheiro, a guerra de Canudos e Os Sertões. (Artigo base de apresentações de palestras na Semana Euclidiana, em São José do Rio Pardo)

 

CUNHA, Euclides. Os Sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Martin Claret, 2006. p.639.

 

FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária Ltda., 1975. p.210.

 

GRAHAM, Robert B. C. Um místico brasileiro: vida e milagres de Antônio Conselheiro. São Paulo: Sá Editora / Editora da UNESP, 2002. p.213.

 

LESSA, Renato. A invenção republicana. Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira República Brasileira. Rio de Janeiro: Vértice/IUPERJ, 1998.

 

MACEDO, José Rivair; MAESTRI, Mário. Belo Monte: uma história da Guerra de Canudos. 4.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 196 p.

 

MENDONÇA, Daniel de. Notas sobre o “efeito de presença” da representação. Rev. Sociol. Pol. Curitiba, 23, p.79-87, nov. 2004.

 

MOCELLIN, Renato. Canudos: fanatismo ou luta pela terra? São Paulo: Editora do Brasil, 1998. p.38. (Coleção Lutas do nosso povo)

 

MONIZ, Edmundo. Canudos: a luta pela terra. 9.ed. São Paulo: Global, 2001. 110p.

______. Canudos: a guerra social. 2.ed. Rio de Janeiro: Elo Ed., 1987. p.321

 

MOURA, Clóvis. Sociologia Política da guerra camponesa de canudos. Da destruição do Belo Monte ao aparecimento do MST. 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2000. p.160.

 

RIOS, Audifax. Antônio Conselheiro. 1.ed. São Paulo: Giordano Ltda., 1994.  p.86. (Coleção Ver & Ler)

 

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político partidário na Primeira República. In: MOTTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1971.

 

TORRES, Monalisa Lima. Antônio Conselheiro: um exemplo do personalismo brasileiro. Disponível em: http://www.artigocientifico.com.br/artc_1189593331_27.doc. Acesso em: 10/12/2007.

 

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix., 2000.

 



[1] Bacharelando/Licenciando do 4º ano em Ciências Sociais pela UNESP, Campus Araraquara. E-mail: porcoscomasas@hotmail.com / freitasleal@yahoo.com.br

 
Leandro Leal de Freitas
 
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