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TENSÃO E EMOÇÃO NO DISCURSO EUCLIDIANO
2011-06-24 14:47:23

 

TENSÃO E EMOÇÃO NO DISCURSO EUCLIDIANO
Lando Lofrano
Mestre em Linguistica PUCCAMP
Membro co Conselho Euclidiano
                                                          (franolo@terra.com.br )
 
 
RESUMO: Os textos a serem lidos e analisados propiciam a caracterização da força expressiva do corpus linguístico do Autor.
 
Palavras-chave: propriedade de linguagem; sequência gradativa; suspensão reticencial.
 
A área especifica da análise de textos tem feito referências detalhadas a respeito das três classificações com relação à leitura e produção de textos: narração, descrição e dissertação.
A respeito da conceituação dessas três direções afirmam os autores abaixo:
 “Texto narrativo é aquele que relata as mudanças progressivas de estado que vão ocorrendo com as pessoas e as coisas através do tempo.” (Fiorin e Savioli, Para entender o texto, Ática, S.Paulo, 2002, p. 289).
 “Descrição é o tipo de texto em que se relatam as características de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos num certo momento estático do tempo.” (Idem, Ibidem, p.297).
 “Na dissertação, predominam os conceitos abstratos, isto é, a referência ao mundo real se faz através de conceitos amplos, de modelos genéricos, muitas vezes abstraídos do tempo e do espaço.” (Idem, Ibidem, p. 298).
 
Ainda os mesmos autores, à página 289, afirmam: “É bem verdade que, na maioria das vezes, não encontramos um texto em estado puro, já que o descritivo, o narrativo e o dissertativo podem interpolar-se num único texto.”
 Na análise dos textos que apresentamos abaixo é perfeitamente possível perceber que os limites dos divisores de água entre essas três modalidades estruturais não podem ser fixados com nenhuma rigidez, uma vez que se interpolam, com predominância ora de um, ora de outro, constituindo um todo indivisível em que tensão e emoção se evidenciam em nível de manifestação lingüística superficial a partir do processo de elaboração mental do texto euclidiano. Nesse sentido o texto ganha evidente projeção cinematográfica, teatral, coreográfica, pictórica, aspectos impulsionados por uma postura argumentativa a partir do impacto emocional do autor face ao fenômeno existencial a que faz referência.
 Na verdade Euclides, associando essas três direções estruturais, consegue causar considerável impacto interativo no leitor, tornando-o co-participante dos fatos descritos, narrados e submetidos ao crivo da análise crítica do autor.
Sobretudo, quando referido ao homem brasileiro do interior do país, desperta uma identificação empática com o drama desse homem, conduzindo o leitor à consciência nacionalista e ao sentimento humanista.
 Na leitura que se fará a seguir é possível encontrar ingredientes significantes portadores de significados que nos levam à constatação do que se vem afirmando. O vocabulário, as formas temporais e modais dos verbos na perspectiva do mundo descrito e narrado e do mundo comentado, a entoação expressa pela pontuação gráfica, bem como a exploração da prosódia quanto à tonicidade, são todos recursos que vêm à superfície do texto euclidiano, criando um clima que nos coloca como reais espectadores das cenas dinamizadas pela superior capacidade criativa de Euclides.
 Passamos à transcrição dos textos sobre os quais, a partir da dinâmica da leitura, serão abordados de maneira bem objetiva os aspectos acima resumidos em caráter propedêutico.
 “A luta pela vida, que nas florestas se traduz como uma tendência irreprimível para a luz, desatando-se os arbustos em cipós, elásticos, distensos, fugindo ao afogado das sombras e alteando-se presos mais aos raios do sol do que aos troncos seculares – ali, de todo oposta é mais obscura, é mais original, é mais comovedora.” (Os Sertões, p.39)
 
 “As leguminosas, altaneiras noutros lugares, ali se tornam anãs. Ao mesmo tempo ampliam o âmbito das frondes, alargando a superfície de contato do ar, para a absorção dos escassos elementos nele difundidos. Atrofiam as raízes mestras batendo contra o subsolo impenetrável e substituem-nas pela expansão irradiante das radículas secundárias, ganglionado-as em tubérculos túmidos de seiva. Amiúdam as folhas. Fitam-nas rijamente, duras como cisalhas, à ponta dos galhos para diminuírem o campo da insolação. Revestem de um indumento protetor os frutos, rígidos, às vezes, como estróbilos. Dão-lhes na deiscência perfeita com que as vagens se abrem, estalando como se houvessem molas de aço, admiráveis aparelhos para propagação das sementes, espalhando-as profusamente pelo chão. E têm, todas, sem excetuar uma única, no perfume suavíssimo das flores, anteparos intácteis que nas noites frias sobre elas se alevantam e as arqueiam obstando a que sofram de chofre as quedas de temperatura, tendas invisíveis e encantadoras, resguardando-as...
 Assim disposta, a árvore aparelha-se para reagir contra o regímen bruto.’’ (Os Sertões, p. 39/40).
 “Mas o mostrengo de palha, trivialíssimo, de todos os lugares e de todos os tempos, não lhe basta à missão complexa e grave. Vem batido de mais pelos séculos em fora, tão pisoado, tão decaído e tão apedrejado que se tornou vulgar na sua infinita miséria, monopolizando o ódio universal e apequenando-se, mais e mais, diante de tantos que o malquerem.
 Faz-se-lhe mister, ao menos, acentuar-lhes as linhas mais vivas e cruéis; e mascarar-lhe no rosto de pano, a laivos de carvão, uma tortura tão trágica, e em tanta maneira próxima da realidade, que o eterno condenado parece ressuscitar ao mesmo tempo que a sua divina vítima, de modo a desafiar uma repulsa mais espontânea e um mais compreensível revide, satisfazendo ‘a saciedade das almas ressentidas dos crentes, com a imagem, tanto possível perfeita da sua miséria e das suas agonias terríveis.
 E o seringueiro abalança-se a esse prodígio de estatuária, auxiliado pelos filhos pequeninos, que deliram, ruidosos, em risadas, a correrem por toda a banda, em busca das palhas esparsas e da ferragem repulsiva de velhas roupas imprestáveis, encantados com a tarefa funambulesca, que lhes quebra tão de golpe a monotonia tristonha de uma existência invariável e quieta.
 O Judas faz-se como se fez sempre:um par de çalças e uma camisa velha,grosseiramente cosidos,cheios de palhiças e mulambos:braços horizontais,abertos,e pernas em ângulo,sem juntas,sem relevos,sem dobras,aprumando-se espantadamente,empalado,no centro do terreiro.Por cima uma bola,desgraciosa representando a cabeça.É o manequim vulgar,que surge em toda a parte e satisfaz a maioria das gentes.Não basta ao seringueiro.É-lhe apenas o bloco de onde vai tirar a estátua,que é a sua obra-prima,a criação espantosa do seu gênio rude longamente trabalhado de reveses,onde outros talvez distingam traços admiráveis de sua ironia sutilíssima,mas que é para ele apenas a expressão concreta de uma realidade dolorosa.
E principia,às voltas com a figura disforme:salienta-lhe e afeiçoa-lhe o nariz;aprofunda-lhe as órbitas;esbate-lhe a fronte;reprofunda-lhe as órbitas;esbate-lhe a fronte;acentua-lhe os zigomas;e aguça-lhe o queixo,numa massagem cuidadosa e lenta;pinta-lhe as sobrancelhas,e abre-lhe com dois riscos demorados,pacientemente,os olhos,em geral tristes e cheios de um olhar misterioso;desenha-lhe a boca,sombreada de um bigode ralo,de guias decaídas aos cantos.Veste-lhe,depois,umas calças e uma camisa de algodão,ainda servíveis;calça-lhe umas botas velhas,cambadas.
Recua meia dúzia de passos.Contempla-a durante alguns minutos.Estuda-a.
Em torno a filharada,silenciosa agora,queda-se expectante,assistindo ao desdobrar da concepção,que a maravilha.
Volve ao seu homúculo:retoca-lhe uma pálpebra;aviva um ríctus expressivo na arqueadura do lábio:sombreia-lhe um pouco mais o rosto,cavando-o;ajeita-lhe melhor a cabeça;arqueia-lhe os braços;repuxa e retifica-lhe as vestes...
Novo recuo,compassado,lento,remirando-o,para apanhar de um lance,numa vista de conjunto,a impressão exata.a síntese de todas aquelas linhas;e renovar a faina com uma pertinácia e uma tortura de artista incontentável.Novos retoques,mais delicados,mais cuidadosos,mais sérios:um tenuíssimo esbatido de sombra,um traço quase imperceptível na boca refegada,uma torção insignificante no pescoço engravatado de trapos...
E o monstro,lento e lento,num transfigurar-se insensível,vai-se tornando em homem.Pelo menos a ilusão é empolgante...
Repentinamente o bronco estatuário tem um gesto mais comovedor do que o PARLA! ansiosíssimo de Miguel Ângelo;arranca o seu próprio sombreiro;atira-o à cabeça de Judas;e os filhinhos todos recuam,num grito,vendo retratar-se na figura desengonçada e sinistra do seu próprio pai.
É um doloroso triunfo.O sertanejo esculpiu o maldito à sua imagem.Vinga-se de si mesmo:pune-se,afinal,da ambição maldita que o levou àquela terra;e desafronta-se da fraqueza moral que lhe parte os ímpetos da rebeldia recalcando-o cada vez mais ao plano inferior da vida decaída onde a credulidade infantil o jungiu,escravo,à gleba empantanada dos traficantes,que o iludiram.
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E Judas feito Asvero vai avançando vagarosamente para o meio do rio.Então os vizinhos mais próximos,que se adeensam,curiosos,no alto da barrancas,intervêm ruidosamente,saudando com repetidas descargas de rifles.aquele bota-fora.As balas chofram a superfície líquida,erriçando-a;cravam-se na embarcação,lascando-a;atingem o tripulante espantoso;trespassam-no.Ele vacila um momento no seu pedestal flutuante,fustigado a tiros,indeciso,como a esmar um rumo,durante alguns minutos,até reavivar no sentido geral da correnteza.E a figura desgraciosa,trágica,arrepiadoramente burlesca,com os seus gestos desmanchados,de demônio e truão,desafiando maldições e risadas,lá, se vai na lúgubre viagem sem destino e sem fim,a descer,a descer sempre,desequilibradamente,aos rodopios,tonteando em todas as voltas,à mercê das correntezas, “de bubuia” sobre as grandes água.”(E.Cunha, À Margem da História, Martins Fontes,São Paulo,1999,pág.54 e segtes.)
 
O segundo texto é O sertanejo, da segunda parte de Os sertões, ou seja, O homem:
“O sertanejo é,antes de tudo,um forte.Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência,entretanto,ao primeiro lance de vista,revela o contrário.Falta-lhe a plástica impecável,o desempeno,a estrutura corretíssima da organizações atléticas.
É desgracioso,desengonçado,torto.Hércules-Quasímodo,reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos.O andar sem firmeza,sem aprumo,quase gingante e sinuoso,aparenta a translação de membros desarticulados.Agrava-o a postura normalmente abatida,num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível,a atonia muscular perene,em tudo;na palavra remorada,no gesto contrafeito,no andar desaprumado,na cadência langorosa das modinhas,na tendência à imobilidade e quietude.
Entretanto,toda esta aparência de cansaço ilude.
Nada mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso.Naquela organização combalida operam-se,em segundos,transmutações completas.Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas.O homem transfigura-se.Empertiga-se,estacando novos relevos,novas linhas na estatura e no gesto;e a cabeça firma-se-lhe,alta,sobre os ombros possantes,aclarada pelo olhar desassombrado e forte;e corrigem-se-lhe,prestes,numa descarga nervosa instantânea,todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos;e da figura vulgar do tabaréu canhestro ,reponta,inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente,num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinária.
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Colado ao dorso deste,confundindo-se com ele,graças à pressão do jarrets firmes,realiza a criação de um centauro bronco;emergindo inopinadamente nas clareiras;mergulhando nas macegas altas;saltando valos e ipueiras;vingando cômoros alçados;rompendo,célere,pelos espinheiros mordentes;precipitando-se,a toda a brida,no largo dos tabuleiros...
Mas terminada a refrega,restituída ao rebanho a rês dominada,ei-lo de novo caído sobre o lombilho retovado,outra vez desgracioso e inerte,oscilando à feição da andadura lenta,com a aparência de um inválido esmorecido.” (Os Sertões,Cultrix,S.Paulo,1973,p. 79 e segtes.)
 
 
Reflexões Finais
Os textos lidos revelam o caráter e o temperamento desse autor cuja manifestação expressiva impacta o leitor de maneira envolvente e empática.Vida sempre marcada até a morte por espírito tenso e emotivo,produto de um caráter bafejado pela consciência da responsabilidade não só quanto ao dever a ser cumprido,bem como com relação ao relacionamento humano dentro de padrões de justiça e direito,Euclides defendeu as causas mais nobres,advogando a necessidade de inclusão dos menos favorecidos no contexto social .Suas reflexões sobre os problemas nacionais mostram o acendrado espírito de nacionalismo que alimenta seus ideais.Ele mesmo um misto de tapuia,celta e grego realizou-se como pensador na mais autêntica forma de identificação com os problemas do homem brasileiro.
Referências Bibliográficas
CUNHA,EUCLIDES DA, À Margem da História, Martins Fontes, S.Paulo,1999,p.54 e segtes.
                                       Os Sertões, Cultrix/Mec, S.Paulo, 1973, p.79 e segtes.
FIORIN E SAVIOLI, Para entender o texto, Ática, S.Paulo, 2002, ps.289,297,298.

 
Lando Lofrano
 
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