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Euclides e o berço de Os Sertões
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Novas luzes para o mesmo túnel
2002-01-02 00:00:00

 

Eu havia prometido a mim mesmo que não mais faria isso, que nunca mais enfiaria minha colher de pau nesse angu em que se tornou o movimento euclidiano, por razões que, como diria o bom e velho Euclides, temos por escusado apontar.

Mas, que diabos!, o assunto parece um fantasma insepulto (palavra bonita essa, in-se-pul-to). Vira e mexe e cá estamos nós discutindo a SE.

Freud (e não Maudsley) explicaria bem essa obsessão que os rio-pardenses temos para com as coisas de Euclides. Ou melhor, tínhamos.

É triste constatar isso, mas já faz um bom tempo que Euclides não reina absoluto nos corações e mentes dos rio-pardenses. E nem me refiro aos rio-pardenses que provisoriamente ocupam cargos públicos, as tais “autoridades”, que quase nunca se interessam por essas coisas. E também não me refiro ao povão, pois esse tem lá coisas mais urgentes com que se preocupar.
Refiro-me à parcela da população que, historicamente, é formadora de euclidianos, aos professores e pais de gerações passadas.

Salvo as honrosas exceções de sempre, que estas sempre existem, minha geração não se identifica com Euclides da Cunha. Quer dizer, não se identifica com a prolixidade que Euclides inspira, com seu rebuscamento léxico e coisa e tal. Pior ainda, muita gente não se identifica com os valores defendidos por Euclides - o patriotismo que o leva a revoltar-se contra seus superiores, a integridade que o obriga a recusar favores pessoais. Vivemos em tristes tempos de valores de importância questionável, afinal.

Muito desse afastamento que a comunidade tem em relação a Euclides, penso eu, deve-se a isso.

Mas não somente a isso. Muito dessa indiferença popular (e, não raro, dessa rejeição ao universo euclidiano) é por nossa culpa, e somente nossa culpa. Fomos nós que não encontramos meios razoáveis de transmitir o pensamento euclidiano para uma geração que cresceu na frente da TV e navega o mundo todo pela net.

Sim, é verdade que a comunidade não assume sua porção euclidiana, que em geram todos não estão nem aí para as coisas de Euclides. Isso explica muito de nosso caráter, e poderíamos sair pela tangente dizendo que se trata de um povo inculto - “eles não sabem o que estão perdendo”, poderíamos dizer.

Mas esta seria apenas a solução mais simplista. Nós, que de alguma forma e por algum motivo que apenas Euclides conhece, acabamos como herdeiros do legado euclidiano temos sim culpa no cartório.

Primeiro, se me permitem aprofundar na questão em um nível maior do que eu mesmo gostaria, é preciso estabelecer uma certa linha de raciocínio nessa minha lógica esquisita. Primeiro, e, por favor, não se escandalizem com isso, é preciso dizer que em lugar nenhum está escrito que Euclides da Cunha deve ser uma unanimidade nesta cidade. Sabem, não raras vezes me deparo com pessoas que tentam colocar-me à prova - criticam o quanto podem a Semana Euclidiana, com argumentos tolos, é verdade, mas a criticam. Dizem que se está gastando dinheiro à toa, essas coisas. Algumas delas, percebo eu, dizem e esperam resposta, esperam que eu tente “convertê-las” ao euclidianismo. Decepcionam-se.

Eu não tenho o direito de impor aos outros os valores que considero importantes para mim. Penso que as pessoas simplesmente têm o direito de não gostarem da Semana Euclidiana, de criticá-la e de achar que tudo não passa de uma grande bobagem. Considero o direito de ser um anti-euclidiano tão legítimo quanto o de ser um euclidiano ou o de não ser nem uma coisa nem outra, que é o meu caso. E, se me permitem mudar um pouco de assunto, aplico o mesmo raciocínio ao FEMP - considero perfeitamente legítima toda manifestação contra o evento, as pessoas simplesmente têm o direito de não gostar dessas coisas, e nós não podemos fazer muita coisa quanto a isso.

Sejamos sinceros conosco mesmos - Euclides da Cunha e a Semana Euclidiana não são unanimidades há um bom tempo por aqui.

A partir dessa pesarosa constatação é que poderemos progredir na conversa.
Os motivos pelos quais a comunidade afastou-se do movimento são os mais diversos possíveis. Os comerciantes, porque quase têm um ataque do coração quando chega agosto e se lembram que precisam fechar as portas um dia e meio durante a semana, o que significa queda no faturamento. O argumento, a bem da verdade, é bastante pobre - se soubessem explorar as possibilidades que a SE proporciona ao comércio, possivelmente não se ressentiriam desses fechamentos.

Os jovens, coitados de nós, fomos criados por um sistema educacional que não privilegia a crítica. E não é possível ler Euclides da Cunha sem usar dessa ferramenta indispensável que é o espírito crítico. Por isso que poucos, aquelas honrosas exceções de que falei, conseguem compreender que Euclides da Cunha foi além de uma guerra, de um lugar geográfico e penetrou na complexa questão da identidade nacional a pretexto de escrever uma reportagem para um jornal.

Mas continuo pensando que os grandes responsáveis pela situação a que chegamos somos nós mesmos. Nós, militantes do euclidianismo, que teríamos o dever de esclarecer de uma vez por todas que a SE tem sim efeitos positivos na economia local - durante uma semana, são mais de 200 pessoas se alimentando, comprando no comércio local e se hospedando nos hotéis da cidade. O lucro que São José tem com a SE não é meramente institucional - não é só o nome da cidade que ganha com isso -, tem dinheiro envolvido, em uma quantia nada desprezível nestes tempos de vacas magras em que vivemos.

A mídia local também tem feito a sua parte. É claro que sou suspeito para falar de um sistema do qual faço parte, mas é impossível negar que a mídia tem apoiado quando solicitada em pedidos minimamente plausíveis e desde que não impliquem em interferência de pauta.

Outra questão que me parece fundamental - aliás, para mim é a mais importante - é o problema da captação de recursos para a SE. Posso estar enganado, mas penso que não dá para tirar mais recursos do que já se consegue junto ao Ministério e Secretaria da Cultura para a SE. O poder público, Prefeitura sobretudo, está saturado e impossibilitado de investir mais na SE, razão pela qual parece-me fundamental buscarmos outras fontes de recursos, sobretudo na iniciativa privada que colabora pouco e mal com a Semana. Outra proposta seria a adoção de uma legislação municipal de isenção fiscal para pessoas físicas ou jurídicas que façam doações ao evento. Idéias semelhantes foram responsáveis pelo crescimento, nos últimos anos, do cinema nacional, e não percebo o motivo pelo qual a coisa não poderia ser aplicada por aqui.

Mas agora chega porque a paciência dos meus leitores (tem alguém aí???) tem limites.

Reuniões como a desta semana são válidas, muito válidas por sinal. Em geral, costumam jogar luzes, novas ou não, sobre os mesmos túneis. E falamos de um túnel de 90 anos, que precisa de reparos com relativa urgência. Mesmo porque todos sabemos aonde esse túnel vai nos levar.

DEMOCRATA, 26/01/2002

 
Paulo Herculano (Democrata de 26/01/2002)
 
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