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Euclides e o berço de Os Sertões
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O paradigma do caos
2001-07-12 00:00:00

 

A nossa é uma sociedade política elementar, carente da laicização necessária para a elaboração de um processo político democrático onde as massas populares tenham cidadania. O povo pária forma um enorme caudal externo à convivência política oficial. O Estado comanda a vida nacional de fora, mecanicamente e sob a égide de forças políticas que atuam como oligarquias. As elites se empenham, não em realizar mas em trair a promessa moderna de formar uma sociedade aberta, emancipada. Entregue, desse modo, a si mesmo num crudelíssimo abandono o povo entra na história de forma sempre clandestina, proibida: como fator explosivo, de caos social e político ou como contrapeso sistemático das disputas dos grupos dominantes A experiência rebelde de Canudos representa bem este paradigma do caos que nos acompanha “república” adentro... Juazeiro do Pe. Cícero é o outro polo do povo-apêndice das elites sociais e políticas.

 

Antônio Conselheiro é a encarnação mais radical do caracter simples e granítico de uma moralidade popular solitária, apartada da racionalidade civilizada construída desde os primórdios da cultura. O povo lhe atribuía qualidades divinas e ele cumpria o receituário à risca: proibia a contradição de transitar entre o que ele falava e o que fazia; dormia - conta Euclides da Cunha em “Os Sertões” - na tábua ou no chão duros e jejuava como os pobres que o seguiam sertão afora. A sua abstinência era a prova de amor e respeito divinos pelos seguidores que então retribuíam com a mesma dedicação extremada: lutaram para além da morte do “santo” até a destruição total da “Tróia de taipa”. O exército dava aos prisioneiros a alternativa de salvarem-se do estripação e da degola assumindo a infâmia de gritar “viva a republica!”. Mas fieis ao Conselheiro eles gritavam: “viva o meu Bom Jesus!”

 

Pe. Cícero que trabalhava à época em Salgueiro desarmando os populares que acorriam à Canudos, tirou-os do abandono total e emergiu como um modelo que as elites brasileiras adotaram: o da manipulação sistemática do povo.

 

Com as dores profundas da escravidão e das ditaduras populista e militar impressas nas mentes e nos corações, na alma, a população, domesticada, não age sem a “guia” do líder. Pe. Cícero assim se multiplica nas re-encarnações de Frei Damião, Padre Marcelo, Jânio Quadros, Color de Mello, dos ACMs, dos Jáder Barbalhos...

 

Elegendo-se com o projeto de tirar o povo e o país do “isolamento autárquico” do modelo Getulista - sem confessá-lo - FHC é a mais aperfeiçoada encarnação do paradigma do caos: atua uma reforma da vida econômica ao serviço de interesses neocoloniais que marginalizam como nunca o povo e o país do ponto de vista material e político. Ele freia a história com a mentira, com a vaidade, com a corrupção sistemática, com as alianças espúreas e com os compromissos anti-nacionais.

 

Publicado pelo Jornal Estado de Minas em 26/05/2001

Fernando Massote - Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG

 
Fernando Massote
 
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