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Euclides e o berço de Os Sertões
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"AMAZÔNIA, INTEGRAÇÃO E PACÍFICO: EUCLIDES DA CUNHA NO CENTRO DA HISTÓRIA"
2004-07-28 09:32:32

 

 

Introdução

Os trabalhos de Euclides da Cunha relativos a Amazônia são pouco conhecidos embora muito prolíficos. Em alguns desses trabalhos notamos uma preocupação com a questão da integração sul-americana, que segundo ele, seria possibilitada através das políticas públicas de infra-estrutura, tornando factível ao Brasil se deparar com o Pacífico.

Em relação a esse oceano, notamos uma persistência pulverizada em diversos de seus trabalhos. Nosso pressuposto parte da idéia de que Euclides tinha ambições maiores que a circunscrição fronteiriça brasileira. Estendemos a analise proposta pelo pesquisador José Carlos Barreto de Santana, ao sugerir que os trabalhos amazônicos euclidianos mostravam-se intencionados à integrar a Amazônia num projeto maior de interpretação nacional “se tratava de um esforço duplo: a busca de uma visão de conjunto da Amazônia em si e a inserção desta no universo mais amplo da natureza do Brasil” (2001, p.184).

Sugerimos que além desse esforço de interpretação nacional haveria o de uma perspectiva internacional.

A Bacia Amazônica é composta por oito nações distintas que por razões herdadas da história, foram obrigadas a se dividirem. São elas: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela (a Guiana Francesa por seu status de colônia não participa do Tratado de Cooperação Amazônico, criado em 1978, para dentre outros assuntos, reconhecer a soberania dessa região tão fundamental).

O Brasil sempre teve em mente uma saída pelo Pacífico mas nunca se engajou tanto como nos últimos vinte anos para efetiva-la. Talvez seja em virtude da região do Centro Oeste estar no momento com expressivo desenvolvimento agrícola e, paralelamente, os mercados asiáticos adquiriram uma importância que não possuíam para o Brasil.

Hoje a Amazônia, por sua importância mundial, como fonte de recursos hídricos e biodiversidade, torna explicita seu papel no mundo. Segundo um dos especialistas em questões ambientais e profundo conhecedor de assuntos amazônicos, o geógrafo Aziz Ab’Sáber, “poucos países no mundo tem tanta responsabilidade com a preservação da biodiversidade regional quanto o Brasil” (2003, p. 77)

Desse modo, recuperamos trabalhos de Euclides da Cunha que observamos ir de encontro a esses assuntos.

Aferimos estar subjacente algumas diretrizes referenciais que parecem nortear parte da sua reflexão, como:

·      O desejo de projetar o Brasil numa perspectiva intercontinental, p.e., em Viação sul-americana, “então a Transacreana modestíssima, de caráter quase local, feita para combater uma disposição hidrográfica, se transmudará em estrada internacional, de extraordinários destinos. (CUNHA, 1999, p.82). 

·      A atenção sobre transportes principalmente ferrovias e seu potencial de conexões multi modal e internacionais “além disso, o que se deve ver naquela via férrea é, sobretudo, uma grande estrada internacional de aliança civilizadora, e de paz. 

·      E o olhar constante sobre o Pacífico e o Japão. “Não existe em todo o passado um só elemento, ou sucesso, ou ponto de referencia, para se avaliar o renascimento quase repentino de um terço da humanidade sobre um terço da superfície útil da Terra” (id.ib. p.128). Podemos afirmar se tratar de frase profética, já que o eixo do Japão congrega interesses da Rússia Asiática, China, Tigres Asiáticos e Austrália. 

 

 Traçaremos a seguir alguns pontos acerca dos itens elencados acima.

As ferrovias e o Pacífico[1] mais detalhadamente aparecem nos respectivos trabalhos: “Transacreana” e “O Primado do Pacífico” do livro À Margem da História (será utilizada a edição de 1999 da Martins Fontes). 

Neles percebemos estarem envolvendo lugares estratégicos que estão geopoliticamente na mira de interesses do sistema-mundo.

Euclides escreveu p.e. sobre o Japão, mas não se limita a ele, e antevê a importância das nações que são ribeirinhas do Pacífico

“[...] As ilhas de Havaí, Midwais, Mariana e Filipinas, que os abalos do maior centro vulcânico do globo espalharam por aquelas águas, alinhando-as e intervalando-as [...] são, de fato, agora as least stones em que se levantarão todos os pilares da ponta ideal de cento e vinte graus de longitude de vão, por onde a civilização caminhará, tentando ultimar o circuito da terra, ou por onde refluirá, arremetente, o  mundo asiático despertado de uma letargia milenária, pelo rejuvenescimento do Japão ”(CUNHA, 132).

A China hoje possui a maior população mundial com 1,3 bilhão de pessoas, e nos últimos dez anos apresenta um crescimento econômico médio de 8,5%. (disponível em www.pnud.org.)

Retomando mais uma frase premonitória de Euclides [...] o wakeing of the East, se o medirmos pela escala do Japão - isto é, por um décimo da sua valia futura -, originará indescritíveis surpresas. Não há prefigurá-las. Não existe em todo o passado um só elemento, ou sucesso, ou ponto de referencia, para se avaliar o renascimento quase repentino de um terço da Humanidade sobre um terço da superfície útil da Terra” (id.ib.128)

Ele sugeriu já no inicio do século passado, ser crucial ao Brasil se integrar aos seus vizinhos da América do Sul, dedicando especial atenção ao país andino Peru, sempre tendo em vista uma rota brasileira para o Pacífico. Não importando muitas vezes por qual trajeto mas intuía que esse esforço seria fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Suas idéias a esse respeito podem ser consideradas visionárias se levarmos em conta a importância que vem desempenhando a China nas relações com o Brasil.

Euclides via o oceano Pacífico como a ultima fronteira suntuosa de recursos econômicos que faltava para conectar o mundo inteiro.

Desse modo os estudos amazônicos euclidianos concernentes ao tema integração são de grande valia pois não temos comunicação com esse importante oceano. Salientamos ainda que não podem deixar de ser vistos sob a luz do imperialismo estadunidense, país que Euclides observa muito atentamente.

Sempre aponta um paralelo com os EUA, grifando a quantidade de linhas férreas existentes nesse país, para ele, as responsáveis pela vanguarda comercial dessa nação. Elas cobriam todo o território nacional e articuladas com as rodovias, formavam redes de conexão, possibilitando o encontro do Atlântico - onde estavam acumuladas “os seus mais intensos centros produtores e consumidores”(ib.p.127) com o Pacífico.

E reflete, não estancaram nessa costa. Alçaram-se sobre o Pacífico.

“Realmente, quando os Estados Unidos conseguiram em 1898 que a Espanha, dessangrada, lhes cedesse as três mil ilhas das Filipinas, a sua política deslocou-se para o Pacífico” (ib. p.128)

“É que não basta [...] ligar, linearmente, um litoral a outro, para o só transporte de passageiros e de cargas. Torna-se-lhe urgente deslocar para o Pacífico o melhor das energias nacionais, nascentes nas mais distantes zonas do país. As vagas povoadoras que durante meio século se desencadearam para o Far West, atraíram também aquele rumo as tendências mais enérgicas de toda a nacionalidade, impossibilitando-a de estancar nos litorais do Oregon e  da Califórnia. A mesma força viva acumulada na marcha impele-a, agora, para o grande oceano”(id.ib.124).

A abertura do Canal do Panamá serve como ilustração.

E a abertura do “Canal Roosevelt”[Theodore Roosevelt - 26º. Presidente dos EUA 1901-1909] sugerida por motivos utilitários [...] transforma-se, de golpe, num episódio [...] exigindo uma preliminar obrigatória e urgentíssima: o pleno domínio das águas do grande oceano.       (ib. p.128)

As linhas de estrada de ferro são vistas como elemento para o progresso, do qual o Brasil não deveria isentar-se. Euclides nos permite deduzir que via a liderança comercial dos EUA, como também a da Argentina, em razão de seus fartos sistemas ferroviários, daí a vanguarda econômica dessas nações.

 “Pelo menos, acompanhando-o, não mais nos maravilhará que os Estados Unidos hajam exagerado em tanta maneira as redes de seus caminhos de ferro, articulando-os as seis estradas, tão ao parecer excessivas, entre o Atlântico e o Pacífico, que possam hoje, desdobrando-as, eurolar oito vezes uma cintura de aço em torno da terra” (ib. p.128)

O destacado acima foi publicado em 1909 todavia notamos em outros trabalhos a persistência com o tema “Pacífico”. É o que comprova seu ensaio publicado no Estado de S. Paulo em 1904, demonstrativo de uma concentração de esforços permanente na orientação de seus estudos:

“Por uma circunstância realmente interessante, os yankees, depois de estacionarem largos anos diante das Rochosas, saltaram-nas, vivamente atraídos pelas minas descobertas na Califórnia, precisamente no momento em que nos avantajávamos até o Acre [...] No mesmo ano de 1869, em que nos prendíamos por uma companhia fluvial àquelas esquecidas fronteiras, eles se ligavam ao Pacífico pela linha férrea do Missouri, audaciosamente locada nas cordilheiras e nos desertos.”

“Emparelhamo-nos, neste episodio da vida nacional, com a grande república.”

Nesse sentido é que recomenda que aceitemos a lição do historiador e estadista James Bryce, sobre a distancia exagerada da costa oriental dos EUA, a qual teria que ser resolvida com os “recursos da engenharia” para ligar as “gentes localizadas nas novas terras do Pacífico [...] permitindo uma intimidade permanente com o resto do país”. Em seguida:

“O nosso caso é idêntico, ou mais sério”

“As novas circunscrições do alto Purus, do Alto Juruá e do Acre devem refletir a ação persistente do governo em um trabalho de incorporação que, na ordem prática, exige desde já a facilidade das comunicações e a aliança das idéias” (OC. 1995 p.189).

Isso em razão de que “aquela Amazônia onde se opera agora uma seleção natural de energias [...] onde mais cedo ou mais tarde se há de concentrar a civilização do globo, a Amazônia, mais cedo ou mais tarde, se destacará do Brasil, naturalmente e irresistivelmente, como se despega um mundo de uma nebulosa - pela expansão centrífuga do seu próprio movimento” (id.ib.p.189, grifo do autor).

Euclides aspira que nos emparelhemos nesse episódio com a grande república, com a diferença de sugerir há cem anos atrás. Uma de suas recomendações lancinantes é de uma pontualidade histórica apreciável:

 “torna-se-lhe urgente deslocar para o Pacífico o melhor das energias nacionais, nascentes nas mais distantes zonas do país”(CUNHA, 1999 p.124) 

Como sabemos o maior centro industrial do Brasil está em São Paulo e  os debates sobre  integração transfronteiriça, lançam-se para além do comércio, contemplando também o intercambio de pessoas e idéias.

A integração preconizada por Euclides traria a capacidade de reajustar às nossas condições ambientais e à nossa associação étnico-político-social todas as ideologias circunvizinhas, tendo como ultimato proposições inspiradas em liberdade e justiça.[2] Ela deveria realizar-se sobre bases autonômas ditadas pelos países que a envolvem e não por forças hegemônicas que a persuadem.

Parece exemplar no trabalho de Euclides, a “Transacreana”, que a solução para tornar efetiva a integração transnacional devesse se concretizar com obras de infra- estrutura física. Essa visão é demonstrada com aptidão sociológica, ao dizer:- “além disto, o que se deve ver naquela via férrea é, sobretudo, uma grande estrada internacional de aliança civilizadora, e de paz” (ib. p.84). Trocou-se, nos termos da geopolítica atual, o quesito segurança por cooperação, outra lição presente rememorada de Euclides e que poder ser adaptada para o momento.

A Br-364, a mais importante rodovia do estado do Acre, obedeceu ao traçado sugerido pelo autor, no trabalho supra mencionado. Razão pela qual Leandro Tocantins (1985) defende o nome “Rodovia Euclides da Cunha” para nomeá-la. Tem grande importância econômica e social, pois é a única ligação de superfície que atravessa de leste a oeste, todo o estado, e ainda segue transversalmente às bacias hidrográficas dos rios Javari, Madeira, Purus e Juruá.

“A estrada de Cruzeiro do Sul ao Acre não irá como as do Sul do nosso país, justapondo-se a diretriz dos grandes vales, porque tem um destino diverso. Estas últimas, sobretudo em S. Paulo, são tipos clássicos de linhas de penetração: levam o povoamento ao âmago da terra. Naquele recanto amazônico esta função, como o vimos, é desempenhada pelos cursos de água. À linha planeada resta o destino de distribuir o povoamento, que já existe. É uma auxiliar dos rios. Corta-lhes, por isto, transversa, os vales” (ib. p. 78)

Nesse estudo são expostas as razões  da sua imprescindível construção. E é sobre esse caminho que Gilberto Freyre considera como um lampejo genial de intuição: “o da  Transacreana , além de sua função geográfica, demográfica, social, econômica, revestir-se de um claro sentido internacional: o de ligar o Brasil ao Peru, ao Equador e às Américas Central e do Norte” (FREYRE, 1985 apud TOCANTINS, p.20).

O transporte ferroviário era um modal muito típico da época. No entanto se trouxermos para os debates acerca do desenvolvimento sustentável elas são mais “ecológicas” que estradas. É o que nos garante os pareceres do IAG (Grupo de Assessoria Internacional do PPG7) e da National Geographic[3].

Hoje são discutidos principalmente dois caminhos de integração entre esses países.O mais importante do ponto de vista dessa pesquisa que retoma os trabalhos de Euclides da Cunha, se concentram na área do departamento de Madre de Dios.

É no Acre que existe a ponte Inambari, ligando Assis Brasil a Iñapari do lado peruano, e, como venho acompanhando, é por ali que o Brasil encontrará uma saída ao Pacífico pelos portos do sul,  Illo ou Matarani. Nessas proximidades existe a segunda importante rodovia do Acre, a Br-317, que do ponto de vista de integração fronteiriça é estratégica por estar localizada na tríplice fronteira Brasil, Peru e Bolívia - é conhecida também por Rodovia do Pacífico. No Acre ela esta totalmente pavimentada. Vai da divisa com o Amazonas até Assis Brasil (fronteira Brasil-Peru), passando pelos municípios de Xapuri e Brasiléia (divisa Brasil-Bolívia).

Os termos esclarecedores sobre a idéia de integração em Euclides parecem estar mais definidos “Entre o Madeira e o Javari”. [...] “as novas circunscrições do alto Purus, do Alto Juruá e do Acre devem refletir a ação persistente do governo em um trabalho de incorporação que, na ordem prática, exige desde já a facilidade das comunicações e a aliança das idéias”(OC. 1995 p.189 - grifo nosso ).

Ainda nesse trabalho podemos apontar uma similaridade no decorrer da história brasileira. Euclides faz a denuncia da biopirataria nas proximidades desses rios “O látex das seringas, o cacau, a salsa, a copaíba e toda a espécie de óleos vegetais, substituindo o ouro e os diamantes, alimentavam as mesmas ambiçoes insofregadas” (ib. p.188). Estendido o tempo acrescentaríamos a lista de Euclides outra espécie nativa da Amazônia, patrimônio da biodiversidade brasileira, o cupuaçu. [4]

E completa com palavras que soam como peremptórias:

“sem este objetivo firme e permanente, aquela Amazônia onde se opera agora uma seleção natural de energias [...] onde mais cedo ou tarde se há de concentrar a civilização do globo, a Amazônia, mais cedo ou mais tarde se destacará do Brasil, naturalmente e irresistivelmente, como se despega um mundo de uma nebulosa - pela expansão centrifuga do seu próprio movimento” (ib.p.189. Grifo do autor).

Também nesse estudo fala sobre a utilização de outro tipo de  transporte, o fluvial. Coloca o potencial dos rios Purus e  Juruá “são, depois do Paraguai e do Amazonas, os rios mais navegáveis do continente” (ib.p.187) e acrescenta, em “Rios em Abandono”, são rios enjeitados nada é feito para permitir uma navegação estável nas inúmeras curvas do seu leito.

Pensando no potencial intermodal da ferrovia com a navegação ainda inexplorada desses rios escreve: “O Purus - e como ele todos os tributários do Amazonas, à parte o Madeira - está inteiramente abandonado [...] precisamos incorporá-lo ao nosso progresso, do qual ele será, ao cabo, um dos maiores fatores, porque e pelo seu leito desmedido em fora que se traça, nestes dias, umas das mais arrojadas linhas da nossa expansão histórica” (ib. p. 269-271).

Euclides pensava na estrada de ferro articulada com os vales do Acre recheados de afluentes, o que sem duvida, permitiria uma cabotagem lacustre em função da ferrovia.

Necessário dizer que Euclides tem interesse especial pelo Peru, mas não se limita a ele para uma ligação de fronteiras. O que nos permite constatar que sua atenção maior, acima de tudo, era com o Pacífico. 

“Realmente, articulando aos caminhos bolivianos que partam de Corumbá [...] ela [ferrovia Noroeste do Brasil] se destina a ligar a Bolívia e o Chile ao Atlântico, ao mesmo passo que seguindo por Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba [Bolívia], transpondo as cabeceiras navegáveis do Guaporé e Chimaré, prosseguindo para Oruro [Bolívia], ponto forçado da Pan American Railway, e para La Paz, de onde derivará pela estrada de Arica [Chile], o Brasil se aproximará consideravelmente do Pacífico” (ib. p.100).

Euclides aponta o sistema ferroviário argentino, chileno e boliviano como fartos e integrados se comprados as nossas ínfimas linhas no artigo “Viação Sul Americana”, enquanto ainda nos debatíamos sobre o traçado da Noroeste (atual Novoeste). Seu interesse nevrálgico é demonstrar quão fundamental é a interconexão das linhas para a integração que almeje o Pacífico como também todo o continente sul-americano.

 Por isso a emergência da “mais dilatada das transcontinentais sul-americanas. É a Noroeste do Brasil”, reitera o tema oceano Pacífico. Afirmando o aspecto internacional dessa estrada de ferro:

“tornando-as simples pontos forçados de uma rota mais longa, lhes davam um caráter internacional, não só projetando-as até à faixa de 1.080 milhas das nossas fronteiras perlongadas pelo Paraguai, como orientando-as à feição de vindouro entroncamento com os sistemas bolivianos capazes de nos conduzirem ao Pacífico” (ib. p. 94).

Completa “não só satisfará a todos os misteres das indústrias como à tração das estradas de ferro que por ali passarem [...] sobretudo se advertirmos que ela será das mais concorridas escalas do maior tráfico interoceânico deste continente”

 “Revela-se, assim, de maneira gráfica, iniludível, a concorrência formidável desta estrada mato-grossense que vai aproximar-se do Pacífico, seguindo, paralelamente, o próprio deslocamento da civilização geral” (ib. p.102).

Conclusão

A importância do oceano Pacífico para o comércio mundial é demasiado crescente. Segundo Euclides sobre a emergência dos mercados orientais “por onde a civilização caminhará, tentando ultimar o circuito da terra, ou por onde refluirá, arremetente, o mundo asiático despertado de uma letargia milenária, pelo rejuvenescimento do Japão”. (ib. p.132).

A reportagem de um importante jornal do estado de São Paulo traz como título “Brasil quer chegar ao Pacífico. De trem” (OESP, B12, 29/jul/2001) denota o desejo antigo do precursor da idéia e que permanece no plano do sonho. Mas como em outra reportagem do mesmo periódico entrevistando o secretario do Meio Ambiente do Amazonas, Virgilio Viana, “ausência de política é uma política” sobre programas do governo federal para a Amazônia. (A13, 2/mai/2004).   

Esses recortes comprovam que suas preocupações se debruçam sobre temas cruciais: Amazônia, relações internacionais, Pacífico, desenvolvimento e políticas públicas. 

Existem ainda muitas dúvidas quanto ao equilíbrio ou grau de complementação  nas trocas entre o sul do Peru e o ocidente da Amazônia brasileira. Sabemos se tratar de regiões geográficas sensíveis e que as estradas são um pesadelo para ambientalistas.

Da parte do Brasil sabemos o que vamos exportar como açúcar, soja, algodão e combustíveis. Mas da parte do Peru há receios por envolver departamentos como Puno e Cuzco muito pobres. Ao que parece o grau de complementariedade é diminuto.   

Segundo o assessor de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas, Antonio Brack, o Departamento de Madre de Dios, por onde se planeja a construção da estrada que ligaria os estados brasileiros de Mato Grosso, Rondônia e Acre com os portos do sul do Peru, nos aproximando do ocidente dos EUA e da Ásia Oriental, é uma região enorme com mais de sete milhões de hectares com potencial ecoturistico de valor para o patrimônio natural, nacional e mundial. Brack afirma que a diversidade biológica em Madre de Dios é gigantesca, e sendo o turismo de natureza o setor de serviços que mais cresce no mundo há vantagens. Além disso, está conectada ao Ferrocarril del Sur com o Circulo turístico de Cuzco e de ali, também se sai da cidade Imperial dos incas para os bosques amazônicos.

A outra possibilidade para o Peru com a vinda da integração viária, segundo Brack, diz respeito aos recursos hidroenergéticos “Cuando se habla de la carreterra de Conexión Pacífico-Atlantico, entre Brasil y Peru que se le lhama la INTEROCEÂNICA nadie ha pensado que los estados de Brasil, Acre y Rondonia no tienen desnivel de agua para producir la energia y estan produciendo energia a base de petroleo, que es muy caro […] para poner hidroeletricas en esta vertiente oriental andina hacia Madre de Dios y esa energia exporta-la a lo largo de esa carretera, porque yo no entiendo que otro producto podemos llevar hacia Brasil tan fácilmente” (A produção de energia a que se referia acima o assessor da ONU leva em conta os interesses da empresa a norteamericana El Paso.[5]

Para Amayo Zevallos a costa mais ocidental do Pacífico sul-americano  (Punta Balcones no Peru) é estratégica por estar em distâncias marítimas mais próximas da Costa Ocidental dos EUA, importante e dinâmica  região país, como também mais próximo relativamente ao eixo da economia do Pacífico, ou seja, Japão para onde convergem os interesses do Ocidente dos EUA, da China, Rússia Asiática e os Tigres Asiáticos. Segundo esse pesquisador :

“Desde nuestro punto de vista, la Amazonía no permanecerá al margen del Pacífico. Temprano o tarde vínculos serán establecidos hasta su salida natural localizada en el Perú; nosotros la llamamos natural  porque es la distancia mas corta y menos problemática entre la parte más grande de la masa territorial amazónica, localizada en el Brasil, y el Pacífico. Observando el mapa puede hacerse tal constatación. (AMAYO, 1993,p.119).

E ainda, o Brasil, maior país da América do Sul, partilha a Bacia Amazônica “la mas grande, importante y rica Cuenca Hidrográfica de nuestro Planeta Tierra” com os países Grupo Andino. Por isso a relevância da Bacia Amazônica para a integração da América do Sul obediente ao impulso da atração forjada pela Ásia. (AMAYO, 2004, p.6)

O Peru é peça fundamental para a integração latino-americana país importante do Gran (associação regional dos países Andinos, conhecido como Grupo Andino). O Brasil por seu  tamanho e peso na economia sul-americana, é membro de outro importante ajuntamento regional, o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Depois da visita dos dois chefes de estado feita em seus respectivos países em maio e agosto de 2003, o Peru  se tornou membro associado do Mercosul, podendo agora fazer acordos bilaterais com o Brasil; partilha os dados coletados do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) com intuito de bloquear a ação de guerrilhas e narcotráfico - mais que uma integração comercial as intenções estão também na cooperação.

À Euclides da Cunha muitas dessas questões apontadas acima foram alvo de seu interesse, o que o torna junto com opus magna um clássico atemporal.

Na companhia de um dos nossos melhores interpretes recuperar esse trabalho articulando a estudos mais atuais, faz um balanço fértil de nossa história.

             

Bibliografia:

AB’SABER, Aziz. Os domínios de Natureza no Brasil - Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003

AMAYO ZEVALLOS, E. Da Amazônia ao Pacífico cruzando os Andes. Revista Estudos Avançados, v. 7, n. 17, p. 117-169, 1993

______ Amazonia, Mercosur y las posibilidades de integración. No prelo. Ed. Universidade de Guadalajara. México.2004

BRACK, Antonio. Madre de Dios es una región con mucha riqueza. El Amarumayo, Peru,  n. 130. 2003

CUNHA, E. da. Obras completas em dois volumes. Org. Afrânio Coutinho. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. 2v.

______  Um paraíso perdido. Ensaios, estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia . Org. Leandro Tocantins. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985

______ À Margem da História. 1ed. São Paulo: Martins Fontes, Temas Brasileiros, 1999.

MAYRINK,J.M. Brasil quer chegar ao Pacífico. De trem. O Estado de S. Paulo, São Paulo:  Domingo, 29 jul. 2001 – Caderno Economia.

RODOVIAS do Acre recebem R$ 28,7 milhões da  União. Disponível em: http://netcomex.com.br/noticias/materia> Acesso 06 abril 2004.

SANTANA, J. C. Barreto de. Ciência & Arte: Euclides da Cunha e as Ciências Naturais. São Paulo: Hucitec, 2001.

VIANA, Virgílio. “Mato também pode dar dinheiro”. O Estado de S. Paulo,  São Paulo:  Domingo, 02 maio 2004. A13.


[1] No artigo de janeiro 1902 “Ao longo de uma estrada” aparece pela primeira vez o tema do Pacífico. Euclides ao tratar da imprescindibilidade de uma ferrovia que chegasse ao Mato Grosso cita Monteiro Tourinho como pessoa interessada nesse oceano  “sem perder o ponto de vista militar, tornou-o apenas incidente de aspiração mais alta” sobre a idéia de Tourinho como uma “idealização ousada de uma linha férrea das Sete Quedas, do Paraná, ao porto de Arica, no Pacífico”

[2] Notamos uma preocupação na fala do presidente Lula no modo como a integração esta sendo proposta com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) “a forma como está proposta a Alca, na verdade, não é uma política de integração, é uma política de anexação e nos não queremos ser anexados”(OESP, A6, 19/set/02).

 

[3] “Peru: uma estrada do Brasil ao Pacifico”. National Geographic – Brasil. Junho 2003.  Esses trabalhos mostram o convite a devastação que estradas promovem ao largo da pavimentação quando não vêem acompanhadas de uma infra estrutura adequada para o desenvolvimento regional .                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      &

 
Ieda Valquiria Magalhães Ramon
 
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