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Euclides e o berço de Os Sertões
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A igreja está caindo! Corre!
2005-03-22 09:43:09

 

Domingo, 16 de agosto de 1926.

Meninas, moças e senhoras mostravam seus vestidos novos na missa cantada das 10 horas, na Matriz, na grande festa de São Roque. Os homens, de elegância impecável, faziam companhia às esposas e às namoradas, ou flertavam com as casadouras donzelas. As crianças ficavam com seus responsáveis, impossibilitadas de correr, ou falar alto, sonhando com o prometido sorvete, ou o doce recheado da Confeitaria Brasil, da família Moffa, do outro lado do jardim, em frente da igreja. O silêncio imperava para a alegria do sisudo padre Guilherme Arnold. A orquestra, com muitos instrumentos e vozes, embevecia, como se anjos descessem do céu.

Tudo estava tão perfeito e tão bonito como uma festa de Natal. No momento da consagração, centenas de rojões, sinos e sinetas ensurdeceram os contritos fiéis, que se perderam no terço, sem ouvir o incompreensível latim balbuciado pelo oficiante.

Um rojão de vara, perdendo a força, caiu sobre o telhado do templo e explodiu. Telhas voaram e um grande pedaço de reboque se desprendeu do forro, caindo sobre os ocupantes de alguns bancos.

Padre Arnold, preocupado com a reação do seu rebanho, rezou mais alto, levantando o cálice. Quando pensou que o medo passara, outro pedaço do reboque caiu.

Uma voz nervosa, histérica , chorosa, aguda ecoou como uma bomba: “A igreja e a torre estão caindo, gente!...

Salve-nos meu Deus!”

O pânico foi geral. Era um mar humano querendo evadir-se pela porta principal, a única aberta.

O povo acotovelava-se, velho e crianças indefesos, caídas nas escadas, foram pisoteadas. Muitos querendo livrar-se daquele inferno, pularam janelas, quebrando até artísticos vitrais, recentemente doados por Gabriel Braguetta...

Ninguém mais ouviu o padre rezando e pedindo calma naquela manifestação histérica de pânico.

Ais de dor quebrando o silêncio depois do acontecimento. Sapatos, pedaços de roupas, óculos, bolsas, chapéus, sombrinhas, bengalas, cintos,flores de tecido, missais, terços...Estavam esparramados pelos quatros cantos do espaço santificado.

Os paroquianos que ficaram sentados, salvos pela calma, auxiliavam os soldados que logo chegaram, socorrendo os feridos com fortes dores, levando-os à Santa Casa e recolhendo os objetos perdidos...

Padre Arnold rendeu graças a Deus e fez penitências ao tomar conhecimento de que apenas 12 paroquianos tiveram ferimentos leves.

O laudo policial citou apenas nove feridos – quatro crianças e cinco adultos. Crianças: Izabel Poso (9 anos), Mercedes Poso (12 anos), Luiza Bertocco (12 anos) e Hortência Pereira (13 anos). Adultos: Alzira Tudda (21 anos), Lucia Sernaglia Curi (23), Francisco Marim (32), Manoel Roleira (64) e Celeste Jacon (76 anos).

O pároco visitou-os. Nunca ficou sabendo dos muitos feridos que receberam curativos nas suas próprias casas, mas sem gravidade.

A matriz ficou fechada durante uma semana até a conclusão da investigação sobre sua solidez, solicitada pelo delegado de polícia, dr.Raul Valentim de Queiroz. O longo laudo apresentado pelos engenheiros Francisco Jose de Azevedo e Labieno Batista Machado e pelo construtor José Lourenço foi apresentado em 22 de agosto, lendo-se no último parágrafo: “A igreja oferece segurança e solidez, devendo ser interditadas as tribunas e toda a parte esquerda que abrange o último arco e a capela do Senhor Morto”.

Em 1992, 66 anos depois do ocorrido, entrevistei dona Luizinha Bertocco, velha colega de trabalho da escola Euclides da Cunha, uma das meninas feridas. Sempre sorridente contou-me do pavor do ocorrido. Pisoteada, seu joelho ficou sem pele e suas pernas escarificadas...

Lola, sua irmã mais velha que acompanhava, nada sofreu, mas ao chegar em casa, apanhou da mãe Joana pelo pecado de não ter protegido a pequena Luizinha.

 

 

 
Rodolpho José Del Guerra
 
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