O professor José Carlos Barreto de Santana, orador oficial da Semana Euclidiana-2001,
titular da cadeira de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Feira de Santana
(BA), lança em livro a tese com a qual conquistou o grau de doutor junto à USP
- "Euclides da Cunha e as Ciências Naturais". O prof. Santana é geólogo. Significa
dizer que lida no campo das chamadas ciências da natureza, adotada a conceituação
de W. Dilthey. Não obstante, é forte a base humanística em que se apóia em seus
estudas euclidianos, com os quais nos vem brindando ultimamente. Figura conhecida
em São José do Rio Pardo, onde tem estado presente desde algum tempo, ministrando
palestras para os maratonistas e participantes dos Ciclos de Estudos Euclidianos.
O livro sai pela Editora HUCITEC, com o apoio da Universidade Estadual de Feira
de Santana, e foi lançado em São José do Rio Pardo, por ocasião da conferência
oficial do dia 14 de agosto. Oportunidade feliz.
Salvo engano, foi o crítico e sociólogo Silvio Romero, um dos maiores de nossa
história literária, o primeiro a chamar a atenção do público para os aspectos
científicos de "Os Sertões", no discurso de recepção com que recebeu Euclides
na Academia Brasileira de Letras, em 1906. É verdade que, antes, em 1902, José
Veríssimo, saudando o aparecimento do livro, em artigo de jornal, sublinhara
as qualidades de cientista do escritor estreante, que era, ao mesmo tempo, um
geólogo, um geógrafo, um sociólogo, um etnógrafo, um etnólogo, etc., segundo
o grande crítico. Mais tarde, Roquette-Pinto, que também veio a pertencer à
Academia, e foi um dos grandes antropólogos brasileiros do século 20, sertanista
e naturalista - haveria de destacar essa feição do autor de x1, como cientista,
em conferência realizada em 1917, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
sob o título - "Euclides da Cunha, naturalista", repetida no ano seguinte em
São Paulo. Como naturalista, disse Roquette-Pinto, Euclides "foi, antes de tudo,
um admirável ecólogo". Naquele tempo, poucos no Brasil, talvez, soubessem o
que era Ecologia. Mais perto de nós, os professores Aroldo de Azevedo, Moisés
Gicovate, Raja Gabaglia e outros sublinhariam as relações de Euclides com a
natureza amazônica, que o escritor conheceu durante a viagem ao Purus (1904-1905)
e motivou seu magnífico "Amazônia - Terra sem história", capítulo de "À Margem
da História" (1909). Mas, em sua maior parte, os ensaios que têm focalizado
os aspectos científicos da obra euclidiana demoram-se na apreciação do cientista
social. Realmente, Euclides é pioneiro da sociologia de campo no Continente
e pai da sociologia objetiva brasileira. Inclusive, apontou-lhe o método. Sociólogo,
etnógrafo, antropólogo, etnólogo, historiador... são alguns títulos que emolduram,
com justiça, o nome do escritor. Nessa área, a bibliografia sobre Euclides é
apreciável e rica. Basta citar os trabalhos de Alceu Amoroso Lima, Gilberto
Freyre, Antônio Cândido, Olímpio de Souza Andrade, Sílvio Romero, Afrânio Peixoto,
Nélson Werneck Sodré, José Calasans, Abguar Bastos, Cândido Mota Filho, Barbosa
Lima Sobrinho, Fernando de Azevedo, etc., para citar a esmo e apenas os mortos.
Por isso mesmo, as contribuições que versem sobre Euclides e as ciências exatas
ou não-humanas, porque menos abundantes, merecem uma atenção maior. Tanto mais
quando se trata de trabalho de nível superior e de qualidades especiais, como
é o caso da tese do professor Santana. Não porque seja uma tese de doutorado,
que muitas há por aí, mesmo defendidas junto a universidades celebradas, que
não passam de um amontoado de páginas inúteis. Sim, porque as do autor de "Euclides
da Cunha e as Ciências Naturais", antes de tudo, se destacam por uma qualidade
rara, hoje em dia, entre mestres e doutores laureados. José Carlos Barreto de
Santana escreve em língua portuguesa, legível. Pois o habitual, pelo visto,
em mestrandos e doutorandos, é escrever em língua que não se sabe qual seja.
Uma espécie de Cabala, linguagem cifrada, jargão indecifrável, intraduzível,
insuportável, num estilo sapiencial, que talvez nem os examinadores entendam.
Aprova-se, quando o candidato pertence às panelas tradicionais e corporações
ditatoriais, prontas a titular os que seguem , sem contestar, as idéias, filosofias
e opiniões das bancas e dos orientadores, montados em suas tamancas de Herr
Doktor. O professor Santana está a léguas desse corporativismo medieval, tão
nefasto ao verdadeiro progresso das ciências. Antes de tudo, escreve bem, repito.
Sem tecnicismo. Sem abusar dos neologismos científicos, que tanto irritavam
José Veríssimo, em relação a Euclides, e que foi muito bem explicado por este.
O mestre baiano não sofisma. Não repete, como papagaio, os discos conhecidíssimos,
encontrados em certas apostilas universitárias, recheadas com uma bibliografia
manjadíssima dos que, durante muito tempo, controlaram e policiaram o pensamento
acadêmico nacional, Marx, Engels, Lenin, Max Weber, Habermas, Guevara, Lukács,
Trotski, Mariátegui, Gramsci, e outros tantos que forram os corredores das faculdades
com seus cartazes, e que são citados, sem que, muitas vezes, o autor tenha,
sequer, aberto um livro deles. Mas, enchem os olhos da banca, do orientador,
dos examinadores, dos regentes de cursos. Não. José Santana não é desses. É
um humanista, cientista, intelectualmente honesto. Mas seu trabalho é, sobretudo,
de campo. De pesquisa. De descobertas originais. De remeximento em arquivos.
Descoberta e redescobertas. Interpretações, análises, conclusões seguras. Provadas.
Sugestões riquíssimas. Abertura de novos caminhos. No desvendar a política de
bastidores que cercaram a criações da Escola Politécnica de São Paulo, com suas
igrejinhas contrárias a Euclides, cerceado por todos os meios e modos em sua
tentativa de ocupar uma cadeira junto à Escola ou de prestar concurso para nela
ingressar como docente. Velhas práticas que talvez, hoje, não se repitam. Os
murubixabas dos Institutos, que se agarram como ostras à pedra, temem a concorrência
dos que parecem mais fortes, mais sábios, mais eruditos, e ameaçam derrubar
os falsos deuses de seus pedestais. É agradável às narinas dos ídolos, receber
incenso e sacrifícios... Por isso, Euclides foi barrado. A geologia do ciclo
de "Os Sertões" - eis um capítulo dos mais ilustrativos do livro do prof. Santana.
Não menos atrativo, em sua profundidade, clareza e estudos comparativos o que
dedica à "Caderneta" de Euclides e à visão do escritor, frustrado em sua visão
do "Paraíso Perdido". Pelo que ouvi, na última Semana Euclidiana, os originais
desse trabalho de Euclides, que se encontravam nos arquivos da Casa de Cultura
"Euclides da Cunha", em São José do Rio Pardo, teriam sido furtados. Como? Quando?
Só peço a Deus que seja boato. Santana ainda teve tempo de estudá-los. Lamento,
apenas, que seu livro tivesse sido editado em 2001. Dessa forma, não me foi
permitido incluí-lo, com os elogios que merece, em minha "Bibliografia de Euclides
da Cunha", que está sendo lançada, com cerca de 9.500 verbetes, sob o patrocínio
da Casa Euclidiana de São José do Rio Pardo. Como arrolei trabalhos apenas de
1884 a 2000, num limite cronológico que se impunha, tive que me limitar à tese
do mestre de Feira de Santana, que deu origem ao livro, e que circulou no ano
anterior.
Pela clareza, objetividade, segurança de conceitos, revelações novas, históricas,
sociológicas, científicas, no domínio das ciências naturais e sociais, o livro
do Prof. Santana ficará como um marco na moderna bibliografia euclidiana, servindo
a mestres e estudantes e a todo leitor desejoso de ampliar sua cultura geral.
Parabéns para os dois lados.
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