O LIVRO DESTINADO A ATRAVESSAR OS TEMPOS
Um livro, como toda obra artística, é sempre
uma incógnita até sua apresentação ao público.
Ao publicar seu livro que pretendia fôsse de denúncia, nem mesmo
assim Euclides da Cunha poderia ter a menor idéia da perenidade da obra
que estava nascendo.
Publicado pela Laemmert & Cia., editores do Rio de
Janeiro e lançado no dia 2 de dezembro de 1902, já no dia seguinte,
o "Correio da Manhã" publicava o primeiro artigo crítico
de autoria de José Veríssimo. Um pouco mais de um mês depois,
no dia 19 de fevereiro a primeira edição estava esgotada e no
dia 9 de julho as livrarias recebiam a 2ª edição. No mesmo
ano, em decorrência da forte repercussão do livro, da notoriedade
repentina do seu autor, Euclides da Cunha toma posse na Academia Brasileira
de Letras, em setembro, e no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro em novembro.
Ano após ano as edições foram se
sucedendo. Traduções em quase todas as línguas cultas do
mundo deram dimensão mundial ao episódio guerreiro de Canudos.
Enquanto parte do país vivia inebriado pelos cenários idílicos
dos ufanistas embalados pela prosa de Afonso Celso, "Os Sertões"
foi como um vendaval que sacudiu o país de ponta a ponta, obrigando a
que todas as pessoas que tinham uma mínima inquietação
intelectual a repensarem seus conceitos sobre o Brasil, sua terra, sua gente
e seu destino como povo e nação.
Da primeira à última página, "O
Sertões" é um livro que incomoda. Ele foi escrito exatamente
para isso. Para instigar, provocar a pesquisa e estimular a procura da verdade.
É um livro contra o conformismo. É um livro de idéias e
soluções, de questionamentos e proposições ousadas.
Já é lugar comum dizer que algumas de suas conceituações
científicas não resistiram à evolução. Contém
os vícios ou distorções típicos da época.
É verdade. Mas ainda assim o livro continua insuperável como tubo
de ensaio onde melhor se analisa a realidade nacional. No essencial ele continua
íntegro, imutável, provocador.
Todos os importantes questionamentos e as grandes formulações
sociológicas, antropológicas, históricas e políticas
para compreender o Brasil, antes e depois da República, tiveram seu embrião
nas páginas de "Os Sertões".
A crescente e contínua bibliografia que tem em
"Os Sertões" sua inspiração não cessa
de crescer. Passados 100 anos de sua publicação, ele continua
sendo o grande manual de consulta sobre a "terra ignota", o universo
sertanejo, misterioso e desconhecido. É ainda a poderosa matriz geradora
de reflexões que surpreendem, se desdobram e amplificam, empolgam e espantam.
"Os Sertões" é acima de tudo
uma obra coletiva que teve um Euclides da Cunha o maestro condutor que soube
levar a bom termo, com eloqüência sinfônica, uma obra magistral.
Euclides da Cunha apoiou-se em conceituados mestres das ciências para
criar um colossal painel da realidade brasileira.
Além de Euclides da Cunha outros escritores, seus contemporâneos,
descreveram também a mesma Guerra de Canudos. Nenhum deles conseguiu
no entanto marcar tão profundamente a cultura brasileira como "Os
Sertões". A diferença está em que "Os Sertões"
induz à reflexão, abre perspectivas de avaliação,
obriga as pessoas a pensarem. Ninguém lê "Os Sertões"
e consegue ficar indiferente. É um livro que mexe com as pessoas. É
um livro que leva à ação. Ele foi e continua sendo um poderoso
agente transformador da realidade. É um livro de hoje, de agora, de sempre.
"Os Sertões" é o livro brasileiro destinado a atravessar
os tempos.
HENRIQUE NOVAK
Presidente do Centro de Estudos Euclides da Cunha - São
Paulo - e-mail novakplanest@aol.com - Novembro - 2001.
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