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Euclides e o berço de Os Sertões
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O QUE É “SER” HUMANO
2011-06-24 15:01:56

 

O QUE É “SER” HUMANO
 
Dr. Paulo Gaudêncio
Médico Psiquiatra formado pela USP-SP
Docente do Programa Avançado de Desenvolvimento de Executivos UNISINOS
Terapeuta e escritor
(clinica@paulogaudencio.com.br
 
 
RESUMO: Este texto se refere à minha participação na mesa-redonda O homem Euclides, durante a Semana Euclidiana 2010, a se realizar em São José do Rio Pardo, e trata de um problema que até hoje, de certa maneira, tem limitado a visão já cristalizada que se tem do grande escritor Euclides da Cunha, uma vez que a imagem construída por seus amigos, logo após a tragédia da Piedade, em que ele faleceu, perpetua-o menos como homem do que como uma espécie de divindade. Nossa proposta é, por esse motivo, humanizar a figura de Euclides, para possibilitar melhor compreensão dos estudos a respeito do autor de Os sertões e de sua obra.
 
Palavras-chave: idealização, homem, divindade, duplicidade comportamental.
 
 
 
Todo ser humano que se destaca dos demais arrisca-se a ser elevado ao Olimpo por aqueles que o admiram e passar a ser, então, uma espécie de deidade, cuja imagem não admite nenhuma mácula. Há vários exemplos deste fenômeno no âmbito intelectual, mais especialmente com escritores já consagrados, figuras religiosas e outros indivíduos cuja obra lhes conferiu, de certa forma, uma posição acima dos mortais comuns.
Relatarei então uma experiência semelhante, muito menos intensa, mas com o mesmo sentido de endeusamento.
Vamos contar o fato, ocorrido há uns cinquenta anos Eu era então um terapeuta recém formado. Tinha um paciente, num grupo que vivia de venda de Enciclopédia Britânica. Não conseguia fazer nenhuma venda durante algum tempo. Precisou entrar num período de economia e resolveu parar a terapia, apesar dele estar indo muito bem. Quando veio me comunicar a parada, fiz-lhe uma proposta: “Eu não tenho a Enciclopédia Britânica. Proponho que você me dê uma coleção e a porcentagem da venda que você tem direito, você desconta na terapia”. Ele topou na hora e pegou uns folhetos sobre a Britânica.
“Não precisa”, respondi. “Eu conheço a Enciclopédia”. Na continuidade da terapia, ele me disse: “Apesar e recém formado,  você é um ótimo terapeuta. Quando você me disse que sabia de cor a Enciclopédia, minha admiração aumentou muito.”
Estava começando a me idealizar. Felizmente eu não entrei no jogo. Respondi:
“Não foi o que eu disse. Eu conheço a Britânica. Não a sei de cor.”
Porque digo felizmente? Porque se eu aceitasse a idealização, ficaria nas mãos dele. O dia em que quisesse me destruir, ele me interrogaria sobre um dos artigos. Podia perguntar a respeito de qualquer um, porque não conheço nenhum deles de cor. Mas eu iria de gênio a mentiroso.
Euclides não teve esta chance. De qualquer forma a proposta é de trabalhar de tal forma que ele se torne um ser humano.
Meu papel na mesa redonda será o de trabalhar os perigos da idealização partindo deste caso real. Tentarei, no debate a seguir, mostrar os perigos da distorção da imagem de uma pessoa, a partir do exemplo do escritor sobre o qual gira toda esta Semana Euclidiana. Quanto a minha parte, questiono: será mesmo possível fazer um diagnóstico de Euclides da Cunha? Recebi há dias um texto sobre empresas. A resposta tem a ver com a mesa redonda.
Há alguns anos, não muitos, tinha alguns pacientes com PMD (Psicose Maníaco Depressiva). Seu tratamento era terrível, com internações e eletrochoque, único remédio conhecido na época.
A descoberta de um sal de lítio e de sua ação teve efeitos incríveis. A qualidade de vida de quem tem a PMD se tornou muito melhor. Aliás, a própria doença mudou o nome e foi abolida da CDM da OMS. Seu nome agora é Distúrbio Bipolar.
O tratamento se faz com um sal de lítio e com antidepressivo.
A resistência ao tratamento medicamentoso é grande porque dá maior controle aos “demônios” interior, tira o “plus” de inteligência e produtividade que o distúrbio bipolar dá à pessoa. O tratamento medicamentoso é puramente sintomático. Não conhecemos ainda um tratamento etiológico.
Outra conseqüência é que o diagnóstico de PMD era feito com enorme critério e por especialistas.
 A melhora da qualidade de vida e a diminuição das repercussões trouxeram um aumento no número de diagnósticos e uma diminuição da sua precisão.
Em outras palavras, o diagnóstico tem sido feito sem o devido cuidado.
O texto mostra que pessoas com duplicidade comportamental não são raras nas empresas. São facilmente diagnosticadas como bipolares. Inclusive medicadas.
Para que o diagnóstico seja bem feito, uma boa anamnese se faz necessário.
Além de bipolar, que é um diagnóstico possível, tantas outras coisas podem estar ocorrendo. Outro distúrbio pode estar ocorrendo. Esquizofrenia, por exemplo. Outra possibilidade, a falta de integridade emocional.
O homem é um animal racional. Sente e pensa, portanto. Tem dois discursos. Fala o que pensa e age o que sente. Quando não se conhece, fala uma coisa e faz outra. Dá dupla mensagem. Mente? Para si mesmo. É bipolar? Não!
O problema pode ser inclusive emocional, classificado entre as neuroses. O indivíduo tem um duplo comportamento porque teve uma educação inadequada. O tratamento indicado é a psicoterapia, não a medicação.
O que se faz necessário é um bom diagnóstico. Feito com profundidade, com precisão. Por quem tenha vivência no ramo.
No caso de Euclides, o diagnóstico é impossível.
Alguns traços gerais podem ser levantados, pelo estilo de vida e pelos textos.
Duas coisas são marcantes. Era extremamente exigente consigo mesmo e preocupado com a imagem pública.
Concluindo, mesmo não sendo possível responder às questões que porventura forem colocadas a respeito do comportamento de Euclides, o mais importante é que se compreenda que a pior maneira de estudá-lo é idealizando-o como um titã, distorcendo a imagem do ser humano que ele foi, autor de uma das principais obras da literatura brasileira, mas um indivíduo passível de erros e acertos, como todos os mortais.

 
Dr. Paulo Gaudêncio
 
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