Euclides da Cunha teve a vida diretamente influenciada pelos
ditames do século XIX, principalmente na segunda metade deste. Influências
externas, como as doutrinas do positivismo e do determinismo e as internas, a
começar pelos ideais republicanos que permearam de forma muito intensa
a jovem oficialidade do exército brasileiro, marcaram decisivamente seu
destino.
Conhecer o Brasil do século XIX ajuda a melhor entender a vida de Euclides
da Cunha.
Logo na virada da primeira metade do século XIX, em 1850, depois de uma
insistente e persuasiva pressão, os ingleses conseguiram que o Brasil colocasse
fim ao degradante tráfico negreiro, que abastecia de mão-de-obra
escrava a economia brasileira.
Daí para frente, a pressão contra a manutenção da
servidão daqueles escravos que ainda permaneciam no Brasil - e eram muitos
- só aumentou, fazendo com que a opinião pública, principalmente
a dos grandes centros urbanos, cobrasse uma solução mais rápida
por parte dos meios políticos.
Toda essa problemática ocorria justamente na época em que o país
vivia a grande expansão da lavoura cafeeira por terras paulistas. O mercado
externo consumidor de café, crescia consideravelmente e a onda verde se
espalhava por terras antes cobertas por matas intocadas. A sede por novas terras
não respeitava nenhuma ação preventiva de defesa do solo.
Depois de algumas experiências frustrantes, como a iniciativa do Senador
Vergueiro, que introduziu colonos alemães em suas propriedades na região
de Limeira, tendo como resultado final rebeliões por parte dos colonos
e ações de restrição à imigração
para o Brasil por parte de países europeus, uma política melhor
estruturada, que garantisse um fluxo regular e contínuo de mão-de-obra
estrangeira, foi adotada pela elite cafeeira. A massa imigrante européia
começava a chegar em levas cada vez maiores, alterando de forma irreversível
a vida brasileira.
Outro elemento essencial para a compreensão do final do século XIX,
fato que teve influência direta na vida de Euclides da Cunha, foi o ideal
republicano, cada vez mais latente nos meios civis e militares.
Euclides da Cunha tomou contato logo cedo com os ideais republicanos. Ainda jovem
começou, na vida militar, a demonstrar aversão aos dogmas monárquicos.
Mas foi em São Paulo, tendo à frente as oligarquias cafeeiras, grupo
mais interessado na constituição de um governo que lhes desse maior
autonomia na defesa de seus projetos políticos e econômicos, que
a idéia da República ganhou espaço, apresentando-se como
a grande redenção diante dos limites e malefícios impostos
pela monarquia.
A monarquia perdia sustentação a cada novo episódio. Seguia
o mesmo destino que o próprio D. Pedro II, combalido e desinteressado pela
vida nos bastidores da política, assistia à provável posse
da herdeira, a princesa Isabel, tumultuar ainda mais o cenário das especulações
sobre os destinos do Império brasileiro.
Casada com Gastão de Orleãs, o conde D´eu, a princesa não
era bem vista no meio político, principalmente por se temer a indesejável
possibilidade do mal afamado conde francês assumir o comando da monarquia
brasileira. Militares e civis convergiam suas opiniões. Algo precisava
ser feito para evitar o prolongamento do Império, sob as hostes da família
Bragança.
Muitas lideranças republicanas imaginavam que, com a morte do velho imperador,
tudo se resolveria naturalmente e o 3º Império não teria início.
Mas a situação foi resolvida de outra forma. Os militares, que desde
o fim da Guerra do Paraguai vinham lutando por um espaço maior dentro da
política, até então comandada pelos casacas (civis), assumiram
o controle do ideário e principalmente da mobilização republicana,
deixando antigas lideranças civis num plano coadjuvante.
Ao lado dessas personagens militares, um grupo de lideranças civis muito
expressivas também vivenciou esse momento marcante de nossa história.
Mas, como em outras oportunidades da história brasileira, não teve
a presença de uma personagem principal, o povo. Como disse um ator civil
do 15 de novembro, o povo assistiu a tudo aquilo bestializado, sem compreender
o que estava acontecendo. Diante da mobilização das tropas rebeladas,
muitos cariocas imaginavam estar vendo uma parada militar ou no máximo
um treinamento dos soldados. Nos primeiros momentos da república houve
um predomínio das ações militares e eles dominaram a cena
política brasileira até a eleição de Prudente de Morais,
em 1894.
A república dá os seus primeiros passos, ainda inseguros. Euclides
começa a perceber que o ideal de outrora não é de fácil
aplicação. Muitos são os descontentes com o novo regime.
Os ideais positivistas que alimentaram a revolta militar, aos poucos vão
sendo deixados de lado, abrindo espaço para novas ideologias e interesses.
Já no governo do civil Prudente de Moraes, a guerra de Canudos foi um momento
especial na visão de Euclides da Cunha sobre a república e todo
o Brasil. A última fagulha do seu antigo ardor republicano foi os dois
artigos intitulados "Nossa Vendéia", publicados no jornal "O
Estado de São Paulo", quando a guerra do sertão baiano fazia
suas primeiras vítimas e começava a ser alardeada como foco de restauração
monárquica.
Tudo começou a se desvanecer com a presença física e de espírito
no campo de batalhas. Euclides da Cunha se recompôs diante de uma realidade
que não conseguiu cruzar os limites naturais do sertão baiano e
chegar ao centro-sul do país. Era uma verdade que não podia ser
escondida, abafada pela versão oficial.
No pouco tempo que permaneceu na Bahia, Euclides foi atingido de forma fulminante
pela arma poderosa dos verdadeiros ideias conselheiristas. Tornou-se um dos maiores
defensores de Canudos sem ter posto a mão numa só arma. Euclides
não fez uso do legislador Comblain. Sua arma mortal contra os valores republicanos
que devastaram Canudos, foi a pena. Do livro "Os Sertões" saíram
balas, palavras dilacerantes contra um Brasil-do-litoral que viveu séculos
de costa para o Brasil-do-interior. Na história do Brasil, nada mais foi
igual depois de Canudos, depois de Euclides da Cunha e depois do século
XIX.
Prof. Marcos De Martini
Ciclo Básico e Guarda Mirim
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