REFLEXÕES SOBRE PERU VERSUS BOLÍVIA
*
O artigo a seguir é um breve esboço do que será apresentado na Semana
Euclidiana 2003, para que os alunos que se interessarem adentrem em minha temática
de trabalho.
Introdução
Julgamos a obra amazônica
de Euclides da Cunha ser a menos conhecida e a que menos gerou
“desdobramentos” se a comparamos com Os Sertões. Nesse sentido é que
propomos esta análise.
Recuperar Peru versus Bolívia é parte de um projeto de estudos no qual
nos engajamos para conhecer países amazônicos, com o fim de realizar estudos
de integração entre Brasil e Peru – os quais Euclides mostra tão fecundo
conhecimento. Assim devemos esclarecer que estas reflexões sobre Peru versus
Bolívia são substância para um trabalho de dissertação que leva em conta os
pensamentos de Euclides da Cunha contemporizando-os com outros estudos
que complementam a leitura.
Estamos certos de que temos
como estudo material importante:- Euclides da Cunha, a Amazônia e a integração.
Podemos dizer que esta tríade tem
importância para o mundo.
Antes é necessário esclarecer que ao falar em Amazônia estamos nos
referindo a um conceito geográfico de uma bacia hidrográfica que abrange 8 países
diferentes, portanto é
uma região multinacional sul-americana composta por - Bolívia, Brasil, Colômbia,
Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Ao falarmos de Euclides da Cunha e
a Amazônia estaremos nos referindo nesse artigo a 3 países amazônicos – Bolívia,
Brasil e Peru.
Propomos elaborar uma análise critica, que não poderia se realizar sem a
ajuda de outros trabalhos. Sentimos a necessidade de discutir e elencar os
aspectos mais relevantes referentes a Peru versus Bolívia. Tentamos não perder
de vista o momento histórico que imprime as marcas nas observações do autor
que como um homem de seu tempo absorvia este momento não só com
argumentos mas atuando nele. Algumas passagens exigem mapas que
desafortunadamente não dispomos no momento e que serão apresentados na Semana
Euclidiana.
Apresentação
Euclides da Cunha era desejoso de conhecer a Amazônia. Vai gradualmente
mostrando este anseio através de cartas
e de artigos publicados em jornais (1904) que demonstram conhecimento e cuidado
diplomático ao tratar da região do hoje Acre – ao que sugerimos parece
tentar captar atenção de autoridades para o fato de que poderia ser indicado
para um possível trabalho de reconhecimento de fronteiras. Afinal é dada à
Euclides missão de chefe para o reconhecimento das cabeceiras do Alto Purus, a
pedido do ministro das relações exteriores - o Barão do Rio Branco - na
comissão mista brasileira e peruana da qual fora encarregado. Desde 1897 muitos
choques armados ocorriam no Alto Purus e no Alto Juruá. Por essa razão em 1904
o ministro Rio Branco e Hernán Velarde do Peru assinaram um acordo e
neutralizaram esses territórios e estabeleceram esta comissão mista
para explorar e definir as nascentes do rio Juruá e Purus, responsáveis
respectivamente Belarmino de Mendonça e Euclides da Cunha. Com este fim parte
em 1905.
A partir desta viagem a autor conhece e escreve sobre a Amazônia, com ela
aparentemente fica apaziguado a hostilidade entre os dois países. Euclides
escreve o Relatório da Comissão Misto
Brasileiro Peruana (1906) e a autoridade peruana, Pedro Buenaño, ratifica
esses escritos
O Purus e o Javari, importantes rios amazônicos
eram conhecidos e navegados desde a colônia, já suas nascentes eram motivo de
confusões e dúvidas. Quem mais próximo chegou das cabeceiras do Purus (excluído
os indígenas) foi o sertanista Manuel Urbano e Martins da Silva Coutinho em
1861 e o inglês Willian Chandless em 1867. Euclides da Cunha completou o
trabalho desses precursores, alcançando as cabeceiras do
Purus.
Em 1867 a Bolívia assina o Tratado de Ayacucho, em que vende 300.00 Km2
de terras para o Brasil. Na época a Bolívia vivia sob a ditadura de Melgarejo
e o ministro das relações exteriores é Mariano Donato Munóz.
Nos anos de 1903 é assinado o Tratado de Petrópolis que assegurava ao
Brasil o direito sobre as terras do Acre. Nesse acordo o governo do Brasil exige
rapidez nas negociações porque há um clima de guerra – tanto que o nome
dado para região não poderia ser melhor Acre – azedo. Realmente eram azedas
as negociações.
Com o tratado de Petrópolis (1903) o Brasil paga 1.000.00 libras
esterlinas e em 1905 outra parcela de mesmo valor para a Bolívia pelas terras
onde hoje estão o Acre. Esse tratado sofreu comentários das nações
hispano-americanas, que o viam como imperialismo do Barão
e do Brasil. Nele ficou acordado que a Bolívia receberia o direito de trafego
com a construção da ferrovia Madeira-Mamoré “que se vai construir por conta
do Brasil, em virtude do Tratado de Petrópolis”(Galvão, et.al p.310).
Euclides foi convidado para ser chefe de fiscalização desta obra.
O ministro Rio Branco procurou atrair a amabilidade do Peru pois a Bolívia
queria estabelecer um sindicato estrangeiro no território em litígio de
nacionalidade estadunidense conhecido como Bolivian
Sydincate. Com a instalação de um
protetorado dos EUA haveria ainda mais dificuldades para o Brasil. Por essa razão
tenta se unir ao Peru.
No dia 8 de setembro de 1909, quase um mês após a morte do autor, o Barão
do Rio Branco assina, o Tratado Brasileiro
Peruano sobre o Alto Purus e o Alto Juruá, que estabelece, após seis anos
de “azedas” negociações, as fronteiras definitivas entre os dois países,
como as conhecemos hoje.
Euclides e suas assertivas sobre a
região triparte Brasil, Bolívia e Peru
1 – Análise dos tratados
mencionados
Euclides da Cunha se apóia sobretudo em documentos históricos como as
leis do Livro 2º Da Recopilación das Índias
de 1680. Neste documento o argumento principal é de que as terras em litígio
aparecem como “no descubiertas” (Cunha, p.756), essa imprecisão gerou o
princípio da discussão entre os 3 países. Este documento serviu de base para
o Tratado de 1750, reproduz, segundo Euclides, toda a dubiedade e obscuridade do
documento de 1680. Nele os limites da Bolívia mencionada como Charcas, aparecem
ao norte delimitando-se com o Departamento de Cuzco; nos terrenos ocidentais do
Madeira e na foz do Mamoré. Esta é a zona em litígio.
Na véspera de consolidação do Tratado de 1750, o domínio espanhol
dividiu-se em vice-reino do Peru, ou vicerreyno
de los reyes (sede do governo
geral, em Lima) e de Nova Granada, subdividindo-se em várias audiências
cuja estrutura caminhava para descentralização a ponto de chegar à proclamação
das Repúblicas. Em
várias passagens critica a presença dos vice-reinos como motivo de atraso e inércia
que as custas dos “países novos” aumentavam a opulência da metrópole por
meio de impostos, taxas, ouro e prata.
A hierarquia colonial espanhola estabelece o vice-reino como detentor de
plenos poderes subordinado somente a Espanha; a Audiência seria uma autarquia,
existia a de Quito (hoje Equador); de Charcas (hoje Bolívia) e a Audiência de Los Reyes (Lima). Deste modo, o
Peru alegava que os territórios de Charcas faziam parte do vice-reino do Peru,
cuja legitimidade de governo outorgado pela Espanha lhe assegurava poderes para
gerir as terras do “Novo Mundo”. Seguindo este princípio a Bolívia não
teria direitos sobre as terras em disputa e sim o Peru.
Euclides da Cunha, em defesa da Bolívia tece seus argumentos elaborados a
partir de documentos históricos, todavia coloca na localização geográfica
sua primeira argumentação que a favorece, ou seja, seu determinismo geográfico
aparece também aqui - por sua conformação física ilhada pela distancia e
pelo cordão isolante dos Andes, a Bolívia não mantinha comunicação corrente
com o vice-reinado de Lima.
Argumenta que teve uma missão particular dentre todas as outras colônias
espanholas. Defendeu o Mato Grosso da invasão portuguesa:
“(...) Audiência de Charcas sua administração, sempre invadida,
transfigurou-se numa reação vigorosa; e o Mato Grosso, onde durante largo
tempo se armavam os arraiais dos invasores (portugueses) foi teatro de uma
defesa desesperadora contra os que o ameaçavam” (Cunha, p.765);
emparelhando-se aos portugueses – como um escudo - não deixavam que avançassem;
seu isolamento, por motivos geográficos – “a cordilheira foi –
materialmente – um cordão sanitário” (Cunha, p.754) foi precisamente o que
ofereceu sua gradual independência em relação ao vice-reino do Peru. E por
fim à distância do litoral não traria “neurastênicos”. Arremata dizendo
que barrar este avanço foi mais importante que “a posse efetiva e pacífica”
argumento do “uti possideti” levantado pelo Peru e que Euclides se posiciona
contrário.
Esse princípio jurídico-político surge no Tratado de 1750. Significa a
posse real e efetiva e não o que se considera por direito possuir mas que não
se possui. Usado como solução política este termo evidencia que há múltiplos
interesses que convergem para um único ponto. No período colonial a fórmula
de fixação que ditava as fronteiras políticas foi dada pelo “uti
possideti”, muitos problemas foram gerados por ele inclusive o do Acre – e o
seu desenrolar tomou forma moderna -
refiro-me as leis de navegação dos rios – quem são os donos dos rios?. O
“uti possideti” e as leis de liberdade de navegação são as soluções
universais dos problemas amazônicos. (...) o “uti possideti” é o índice
do problema político. A liberdade de navegação do econômico” (Medeiros,
p.47). O elemento propulsor em Euclides, podemos dizer é o econômico, o
orientador o jurídico e o moderador a política.
Para a questão jurídica o “uti possideti” é a confirmação tácita
de um fenômeno geográfico onde convergem ambições desmedidas numa área
convergente, única.
O Tratado de 1750, segundo Euclides onde se “riscaria... predestinado a
todos os deslizes a todas as cincas e diabruras” e “atrapalhações geográficas”.
A região em disputa aparece nesse tratado como território neutro, res
nullius sendo assim a Bolívia e o Brasil não tinham direito sobre o território
do hoje Acre – o tratado dizia que essas terras eram nulas e de ninguém, até
aparecer quem pudesse ter domínio sobre elas.
Elaborado, de acordo com o autor para “substituir a divisa de
Tordesilhas, de um lado pelas linhas naturais do Guaporé, Mamoré e Madeira; do
outro pela linha traçada do Madeira no Javari” (Cunha, p.759). Os mapas que
surgem deste tratado colocam um “meridiano” que serviria como a linha
demarcatória que ia para o norte até o mar. Euclides chama de muito elástico
este termo “meridiano” Vai deslegitimando e contrariando o Tratado de 1750.
Escreve que é um pacto internacional definitivo mas de vida breve. O Marques de
Pombal o cancela em 1761 (Cunha, p.764). Com isso volta a Audiência de Charcas
ao indefinido, como aparecia no documento da Recopilación das Índias
“marginando (...) o desmedido”. Assegurando assim que ela nada tinha
pendente, ou de subserviência ao Peru.
De acordo com o documento de 1680 essa região enorme e não descoberta,
ficaria a cargo de quem pudesse ter domínio no local “consoante a capacidade
das audiências” de se apropriarem. E a Audiência de Charcas, com as Missões
de Moxos e Apolobamba alastrou as terras (outro tributo conferido a Bolívia)
deixando de serem “não descobertas” como defende Euclides. Moxos é o nome
da província mais setentrional de Charcas, e onde esta a boca do Mamoré. As
terras em disputa eram prolongamentos de Apolobamba e Moxos, que assim como
Maynas
eram nomes das missões, elas que tinham dupla função: estender os domínios
em nome do cristianismo ao mesmo tempo em que defendiam as terras onde se
instalavam.
Logo após a guerra do Paraguai (1766), sai uma ordenança do império de
1772, emitida pelo bispo de Santa Cruz de La Sierra, para o Conselho das Índias
– órgão regulamentador das colônias - para que assegurasse o direito da Bolívia
sobre o Mato Grosso. Nessa cédula imperial ficou garantido as divisas
espanholas ao longo do Madeira “desde o trecho encachoeirado” até as
origens do Guaporé (Cunha, p. 765).
O Tratado de Santo Ildefonso é de 1777,
feito por Alexandre Gusmão.Os peruanos querem resgatá-lo do esquecimento,
alegando que a linha Madeira-Javari estava em aberto e a Bolívia não poderia
negociar as terras acreanas porque ela não lhes pertencia. Nele aparece o termo
“uti possideti” também retomado
pelos peruanos.
O tratado de 1777 estabelecia divisória exclusiva entre a Bolívia e o
Brasil. A Bolívia era tenazmente favorável a ele, mas o Brasil repelia seus
deslindes. A principal delas era a oblíqua que partia do rio Madeira até o
Javari. Começa a indisposição boliviana e brasileira. O Peru resgata-o
alegando que as terras aparecem ainda como não demarcadas. A Bolívia alega que
nele fica claro seu direito sobre elas.
A Bolívia não foi sempre mediterrânea. Ela já teve saída
ao mar. Em 1879-1883, na guerra do Pacífico, Peru e Bolívia se uniram contra o
Chile, este último ganha a guerra e os territórios onde hoje estão o porto de
Arica é tomado da Bolívia.
Em 1776 por razões de preservação dos domínios castelhanos - os territórios
do mar del Plata na Argentina de hoje – obtém status de vice-reino, pela
vulnerabilidade que oferecia - suas entradas estavam abertas, desprotegidas
contra navegação inimiga, colocando em risco os domínios da Espanha. Em 1803
após 27 anos aparece uma nova divisão administrativa, exigido em decorrência
da presença dos domínios dos bispados- locais geridos por missionários.
Mantiveram-se as audiências agora divididas em intendências.
Euclides coloca que esta divisão colocou no vice-reino de Buenos Aires a intendência
de Santa Cruz de La Sierra, La Paz e Potosi
todos bolivianos, cujo reclame pelas terras deveria partir de Buenos Aires e não
do Peru. (Cunha, p.785). Diz juntamente com Visconde de Porto Seguro que foi em
razão de contendas que se mostravam “mais vivas, à ourela do continente”
enquanto que as refregas que se passava em terras como Mato Grosso e Bolívia se
dissipavam na imensidão dos terrenos; e da posição da foz do grande rio da
Prata e da conexão desse rio com o Atlântico, somadas essas razões, foi
eleito o Prata como próximo vice-reino.
A Bolívia depois de se desprender pela própria geografia do vice-reinado
de Lima, cresceu a ponto de não poder ser abrangida pelo vice-reinado de Buenos
Aires. Este fermento criou o movimento de autonomia – a primeira da América
do Sul, em 1809 contra o domínio hispânico,
escreve que a Bolívia chegou à independência administrativa antes de chegar
à República. Ela era a esperança de liberdade hispano-americana. E diz que
fora dessa retilínea e heróica qualidade não se pode interpretar o “uti
possideti” (Cunha, p. 783); que discorda, pois as fronteiras sul-americanas,
diz Euclides, são maiores do que esse “velhíssimo” conceito. Somente a
posse útil não serve para compreender a complexa história dos povos.
A perda da Bolívia e do Prata para o vice-reinado de Lima ilustram dois
fatos: a extensão territorial do Peru e sua queda de poder político.
De acordo com Euclides, desde 1782 por ordem da metrópole e com anuência
do vice-reino do Peru, o visitador geral, Jorge Escobedo, instituiu que o limite
do Peru no oriente se encontrava no Inambari (braço do Madre de Dios ) - o
limite máximo que este país chegou das terras requeridas. Reúne os pareceres
de D. Mateo Paz y Soldan “o mestre tradicional da fisiografia” peruana
(Cunha, p.788) em 1863 dispunha os limites em Carabaya, de leste a oeste, e a norte e nordeste terras de índios
bárbaros (Cunha, p. 789). Esses exemplos são alguns dos vários citados por
Euclides para comprovar a não legitimidade dos interesses peruanos. Expõe
ainda que desde 1782 as demarcações feitas por visitadores gerais da Espanha,
sancionados pelo vice-rei de Lima permaneceram inalterados até 1802, quando
Francisco Requena altera a cartografia (desmembra Maynas do vice-reino de Nova
Granada e estabelece “as terras a anexarem-se ao Peru, que as Ordenanças
marcavam “pelas
áreas do bispado” não deveria e não poderia ultrapassar o Ucayali para
o levante” (Cunha, p.792). Podemos deduzir que Euclides nos alerta no sentido
de que as terras litigadas foram recusadas por cédula real emitida por Requena
– o Peru não tinha qualquer alternativa em requerê-las.
As terras do Peru que mais se avizinhavam da área pretendida, segundo
Euclides, era Cuzco. E dista muitos kilometros da área pendente. O Peru
reivindica uma área que vai até o Madeira. Esclarece que o mais próximo que
chega dessas terras é, segundo os documentos averiguados pelo autor, a província
norte oriental de Paucartambo (hoje Cuzco centro-leste). Como já descrito em
1796 por documento da cédula real Puno com suas 5 províncias – Chucuito,
Puno, Lampa, Azangaro e Carabaya passa a ser do Peru. Esta ultima é a que fazia
fronteira com Apolobamba, na audiência de Charcas (Bolívia) – e é nela que
poderia avançar nos vales do Madre de Dios, Beni ou Madeira para talvez
poder ter direito sobre os terrenos em disputa - mas não o fez.
O primeiro acordo de limites entre o Brasil e o Peru foi em 1851. Essa é
uma data muito importante em que Duarte da Ponte Ribeiro assinou em Lima, com
Bartolomé Herrera, ministro das relações exteriores do Peru, o Tratado de
Comercio e Navegação em 23 de outubro, cujo intuito dentre outros, era
permitir a navegação fluvial nos rios amazônicos dos dois países.
Estabelece-se nesta data que a fronteira natural seria o Javari. Foi na verdade
troca de favores - o Brasil aceita a divisa do Javari e os limites foram
colocados sob as bases do “uti possideti”. Os peruanos querem que se
apliquem estas bases. Euclides se opõe, pois estão assentadas na
“controvertida cédula de 1802” também se opunham a elas: o Atlas de
Restupo (1827); a Carta Geral da Colômbia feita por Humboldt (1825). Esses
exemplos são resgatados para dar apoio às convicções do autor. A primeira
argumentação contra o tratado de 1851 é que ao resgatar esse tratado, o Peru
retrocede ao se submeter a um império. Ficou estabelecido que o Brasil teria o
monopólio da navegação amazônica
nesse país – em contrapartida adquiria direitos sobre as terras em disputa,
ou seja, aparecia nesse documento o traçado como fronteira da margem esquerda
do Madeira à direita do Javari. Era o que desejavam os peruanos.
Com o Peru foi fácil. Ele não se opunha ao monopólio brasileiro – “naquele
caso realmente imperialista – aceitava-o e sancionava-o,
solenemente, com o Tratado de 1851” (Cunha, p.803). Esse tratado é,
segundo o autor, o que significou imperialismo e não o que diziam sobre o
Brasil na Guerra do Paraguai ou na contenda nas terras acreanas. O Brasil
tentava evitar sobretudo que as repúblicas recém proclamadas tivessem relações
comerciais com outros mercados, feitas através dos tributários do grande rio
Amazonas.
O tratado de 1851 foi amistoso entre Brasil e Peru. A Bolívia não
gostou, pois o Peru não poderia permitir a navegação em rios que a Bolívia
considerava, desde muito remotamente, como propriedade sua. Como permitir
navegar no Purus, Juruá, como estipulava o Tratado de Comércio, Navegação,
Limites e Extradição, se o Brasil não negociou com a Bolívia? No entanto, o
Brasil não assinaria o tratado de 1851 se tivesse que respeitar a demarcação
que a Bolívia exigia desde 1777 com o Santo Ildefonso. O fracasso nas negociações
com a Bolívia ficaram constantes após 1851. Até nascer o Tratado de Ayacucho
de 1867 estabelecendo novos acordos. Como ele os limites aprovados foram: do
Guaporé, Madeira até a foz do Beni (no Mamoré) dali para oeste com uma
paralela até que encontre o Javari. É o Acre quase que exatamente. O Império
do Brasil fez muito esforço para eliminar as contrariedades com a Bolívia que
estavam no auge em 1863, mas ela insistia numa linha leste-oeste que remontava a
Santo Ildefonso de 1777. Enquanto isso o Peru não manifestava nenhuma opinião
– tido como mais um motivo de desinteresse pelas terras. Em novembro de 1863 o
Peru e a Bolívia celebram o Tratado de Paz e Amizade, nele o Peru reconhecia o
direito exclusivo da Bolívia nas terras em litígio. Nesse ano as relações da
Bolívia com o Brasil se anularam. A Bolívia se juntou com as tropas de Solano
Lopes do Paraguai em 1866 contra o Brasil. Os países que lutaram contra o
Brasil na Guerra do Paraguai viam-no como um ansioso imperialista. Essa guerra
resolveria dois problemas: captar novamente a amizade do Peru que trocou a
simpatia do Brasil pela do Paraguai; e à renitente Bolívia, com uma ofensiva,
uma vez que estava difícil entrar num acordo - ela era nossa tradicional
inimiga e defendia muito bem suas terras no Mato Grosso.
A opinião boliviana era contra Ayacucho, pois deslocava a linha histórica
de Santo Ildefonso, que defendiam com vigor. Mas foi aceito. O Peru durante a
crise Brasil-boliviana não se infiltrava. Após 9 meses do Pacto de Ayacucho
selado em 27/03/1867 é que em dezembro o ministro das relações exteriores, J.
A. Berrenechea protestou contra o tratado. Diz não gostar que a Bolívia esteja
negociando com o Brasil, pois com a guerra do Paraguai, as repúblicas aliadas
estabeleceram que qualquer negociação diplomática deveria se fazer reconhecer
pelas nações amigas. Argumenta também que nesse tratado foi colocado uma
questão de limites, de suma importância, por um convênio fluvial menosprezível;
fora admitido o “uti possideti” sem data definida dando favorecimento ao
Brasil pois possuía mais territórios que o Peru, cujo direito sobre elas
estava estabelecido em Santo Ildefonso de 1777 (Soares, p. 173). Euclides
argumenta que este país enquanto não viu afetados seus interesses, nunca se
posicionou na aversão que existia entre o Brasil e a Bolívia. Berrenechea
alega que o Tratado de 1867 (nele a Bolívia cede parte dos territórios em
disputa) não pode ser invocado pela Bolívia e Brasil por se tratar de países
outrora submetidos a metrópoles distintas. Euclides por sua vez, diz não
corresponder com a história, pois o “uti possideti” existe
desde 1851, sendo aceito pelos peruanos desde essa data. Em 1867 só é
sancionado. E, só agora em princípios do século XX
vem reivindicar que esse dispositivo pode ser aplicado somente entre hispânicos.
Esse tratado se fundou no “uti possideti”. E o Tratado de Limites de
1851, também se alicerçou nesse princípio.
O Peru quer resgatar no pacto de 1851, a frase “(...)
todo o curso do Javari é limite comum entre Brasil e Peru que podem ser da
propriedade do Peru”. (Cunha, p. 808).
Este podem ser é
posto a prova pela sua imprecisão de termos.
O Peru resgata um pacto feito com o vice-reino de Nova Granada em 1829.
Nele Euclides assegura, os documentos foram alterado “traçaram-se-lhe, ou
escreveram-se-lhe, por cima, outros desenhos de cartas de ulteriores convenções”
e feito de modo obscuro - como também é obscuro o modo como o explica.
Argumenta ainda que “é desastrosa para a República, que se proclama herdeira
de um regímen condenado e extinto. É a prova preexcelente dos direitos da
Bolívia” (Cunha, p. 794) Mas o que faz Euclides senão trazer provas
de um regime extinto?
Termina dizendo que este texto foi escrito rapidamente e nisto esta sua
veracidade; não houve tempo para se construírem frases, somente tempo para
“cândida nudez de uma esplendida sinceridade” “fomos apenas eco de
maravilhosas vozes antigas”(Cunha, p. 809).
Conclusões
O ensaio de Peru Versus Bolívia, pareceu-nos tratar-se de um documento
elaborado por “encomenda” pelo Barão do Rio Branco. Esta hipótese esta
orientada pela carta a Domício da Gama:
“chegaram aí uns artigos, “Peru x Bolívia”, que publiquei no
jornal do Comercio?
É uma das minhas quixotadas. Constituiu-me, por satisfazer à índole romântica,
um cavaleiro andante da Bolívia contra o Peru. Por quê? Talvez porque a Bolívia...
é mulher. De qualquer modo, manda-me dizer a tua impressão sobre o lance”.
(Galvão et al., 337).
E,
À Joaquim Antunes Leitão “em breve enviarei a José Pereira Sampaio um
livro (Peru versus Bolívia) que
improvisei num mês” . (Galvão et al., 334)
Ao dizer que foi um documento elaborado em virtude de a Bolívia ser
mulher e feito com “improvisação”, pensamos poder se tratar de algo feito
a pedidos. Do que abstraímos, há um vai e vem de datas e acordos que às vezes
parece mais confundir do que aclarar. Peru versus Bolívia, por tantas datas,
pela defesa única da Bolívia, põe em dúvida todo o trabalho de Euclides
quanto à imparcialidade dos fatos reais históricos. Diz, desde o traçado de
documentos territoriais que prevaleceram até 1810 - todos - não davam ao Peru
a entrada da Amazônia, p.e. as ordenanças dos intendentes de 1782,1803; as
cartas régias de 1796 e 1802 “são os únicos, e os mais sérios e os mais
firmes e os mais compreensíveis elementos em que se esteiam as pretensões
peruanas. Mas não lhes abrem as portas da Amazônia” (Cunha, p. 794).
Baseado somente em Peru versus Bolívia e não contextualizando com outros
documentos e sem termos condições de analisar a bibliografia citada por
Euclides, pareceu-nos que a região era da cobiça de todos. Em vários trechos
menciona como os documentos não são confiáveis, possibilitam brechas para várias
interpretações; os não oficiais - escritos,
memórias, roteiros ou crônicas e os oficiais – cédulas, ordenanças ou ofícios
“engravescem e multiplicam sobremaneira todas as dúvidas” (Cunha, p.757).
Pensamos que dito isso cabe também própria interpretação tecida por ele,
defendendo que dentre tantas vacilações, um ponto é acorde, as terras são
bolivianas.
Toda a construção feita não pode esquecer as relações que os EUA
estabeleciam com a América do Sul. Euclides cita um geógrafo, Lardner Gibbon,
responsável por entregar uma mapa definitivo sobre os limites da Bolívia com o
Brasil e partir do qual “a sua demarcação oficial ao governo norte americano
- por onde, naturalmente, este se guiaria em todas as suas relações com aquela
República – reproduz admiravelmente, as linhas gerais, limítrofes, que
apontamos e são hoje requeridas pela Bolívia” (Cunha, p. 797). Esses mapas
ficaram prontos em 1853. Em 1898 a Bolívia cede aos EUA o direito de gestão no
reconhecimento dos direitos da Bolívia nos territórios do Acre.
Nessa época a Bolívia já tinha perdido o litoral do Pacífico para o
Chile. O que terá sido pior, suas terras ou a saída ao Pacífico? Em troca
pelo pacto de 1867, a Bolívia receberia o direito de navegação pelo Madeira e
obtinha uma saída pelo Atlântico; nele o Brasil se obriga a conceder a Bolívia
o uso de qualquer estrada que viesse ser instalada na região do Madeira-Mamoré.
Este Tratado de 1867 foi seguido pelo Tratado de Petrópolis.
O fato é que os limites precisavam ser definidos, e não daria para
demarcar uma região em tão polvorosa euforia. Como realizar os desígnios do
Tratado de 1867 se o Brasil não tinha segurança de que as terras compradas
seriam definitivamente do Brasil?. O Acre não era nosso por documentos mas
desde 1850 foi se infiltrando seringueiros, comerciantes e nordestinos. O litígio
grave era entre bolivianos e peruanos e brasileiros.
Euclides escreve de modo significativo sobre o Peru, antes de conhecer a
Amazônia e a porção peruana títulos pouco amistosos como “Conflito Inevitável”,“Contrastes
e Confrontos”, “Contra os Caucheiros” e “Entre o Madeira e o Javari”.
No entanto, aponta estar nesse país o caminho para o Brasil integrar a Amazônia
ao mundo pelo Oceano Pacífico. Mas essa é matéria para outras reflexões...
Referência:
GALVÃO,
W. N.; GALLOTTI, Oswaldo. Correspondência
de Euclides da Cunha São
Paulo: Edusp, 1997
CUNHA, Euclides da. Peru versus Bolívia.
Obra Completa em dois volumes. Org. Afrânio Coutinho. Vol
I. 1ed. Rio de Janeiro: José
Aguilar,1966.
MEDEIROS, Fernando Sabóia. A
liberdade de navegação do Amazonas (relações entre o império e os EUA). Série
Brasiliana. V. 122 C. Ed. Nacional,1938
SOARES, Teixeira. História da Formação
das Fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,1973,
v.111, Col. General Benício.
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