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Euclides e o berço de Os Sertões
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Movimentos revolucionários no Sertão
2003-09-10 09:21:19

 

Movimentos revolucionários no Sertão

 

Prof. Lásaro Sérgio Dias

 

Após cem anos do terrível massacre, “Os Sertões”, mais que atual, permanece vivo em nossos dias, nas  memórias daqueles que fazem desse livro uma Bíblia denunciadora das questões sociais, políticas e econômicas pertinentes ao genocídio de uma comunidade pacífica. Até hoje ainda não levaram para os sertões brasileiros, o mestre escola como sugeriu Euclides, conseqüentemente, maior é a miséria, maior é o número de carentes, maior o número de excluídos e desempregados- já somam 11 milhões. Não só os sertões permanecem esquecidos, mas também nos grandes centros urbanos os marginalizados aguardam providências e soluções. Multidões de abandonados permanecem calados e sufocados diante de tantas injustiças, intolerâncias, sofrimento, abusos, exploração, corrupção.

Podemos encontrar nas páginas de nossa história muitas manifestações revolucionárias sufocadas e massacradas pelos poderosos que tiveram seus interesses ameaçados pelos indesejáveis, uma definição para os excluídos. Já é tempo do nosso atual e promissor governo mostrar a sua cara aos nossos “Sertões” ignorados de hoje que agonizam nas filas à espera de um emprego, ao sertanejo das favelas, dos acompanhados da Volkswagem, do Pontal do Paranapanema, dos Sem-Tetos de Diadema, daqueles que perecem na miséria, nas tantas “Canudos” que surgiram ao longo desses 100 anos de nossa história. Não seriam os indesejáveis os personagens dos primeiros movimentos revoltosos iniciados com a Confederação dos Tamois, Insurreição Pernambucana, Santidade de Jaguaripe, Santo da Palmeiras, Palmares, Borboleta Azul, Rodeador, Pedra Bonita, Cabanagem, Muckers, Contestado, Canudos, Caldeirão, Pau-de-Colher, Quebra-Quilos, Panela, Cangaço, Vacina, Ligas Camponesas, MR8, MST, até aqueles participantes do crime organizado que ousa impor e enfrentar os direitos do cidadão nos complexos de favelados ditando normas à ordem pública diante das forças oficiais que se mostram incapazes de solucionar e enfrentar a criminalidade, relembrando o caso Tim Lopes brutalmente assassinado? É conveniente que mais esse caso permaneça sem solução pois o crime organizado tem raízes profundas nas camadas dominantes de nossa sociedade.

Assim como Canudos foi destruída por importunar os poderosos, Tim Lopes e outros que ousaram mostrar com transparência o mundo do crime, tiveram um fim trágico restando apenas a história de que um dia existiram.

A origem de quase todos os movimentos citados foi nas camadas da população extremamente pobre, semi-analfabeta, humilde e despreparada  para levar os ideais revolucionários  adiante. Esses movimentos  também nasceram no campo, liderados por religiosos que deram inicio a algumas fracassadas seitas, conduzindo  seus adeptos miseráveis influenciando-os a seguir  suas pregações, rezas, peregrinações, conselhos, a implorar graças  e remissão dos pecados, receitando-lhes mesinhas e prometendo-lhes um mundo melhor.

Há algumas visões à respeito de Canudos que podemos considerar para entender os outros movimentos revolucionários.

Para os teólogos da libertação: “Canudos era uma comunidade amorosa baseada na solidariedade fraternal, destruída pelos fazendeiros e seus amigos”.

Para os ideólogos do PCB: “Canudos foi a mobilização de camponeses conscientes do conflito e luta de classes”.

Para Nina Rodrigues: “Canudos foi o primeiro conflito causado pela falta de evolução social”.

Para Rui Facó: “Em Canudos, Antonio Conselheiro iniciou uma luta não consciente  contra a monstruosa e secular opressão latifundiária semi-feudal”.

Para a população rural: “A Chegada de medidas republicanas no sertão significava mais impostos, mais controle, mais dificuldades, mais sofrimento e mais miséria.”

Canudos e os outros movimentos revoltosos, não foram lutas e nem rebeliões. Só passaram a ser, após serem atacados por aqueles que se sentiram prejudicados em seus interesses. Canudos chegou a ficar 30 meses sem chuvas. Seus habitantes ficaram abandonados, desassistidos, sem socorro, apenas sobreviviam. Cocorobó não solucionou a seca e nem resolveu a questão da miséria.

Os focos revolucionários resistiam porque a dor era compartilhada, viviam em paz, havia trabalho, organizavam-se para saciar a fome, a miséria era repartida, acreditavam num líder, não havia governo e nem autoridades públicas, se auto governavam em exemplo de sociedades democráticas, as comunidades eram livres.

Multidões de abandonados sentiam a ausência de justiça, o isolamento social, a inexistência de leis trabalhistas, o analfabetismo, a miséria extrema, o desemprego, a fome e a morte que levam o homem a buscar soluções messiânicas, a proteção  de conselheiros, beatos, monges, chefes de quadrilhas e do crime organizado. E quando essas levas de abandonados se organizavam em movimento eram chamados de bandidos, vagabundos e fanáticos.

A única forma de consciência do mundo que as populações interioranas possuíam era fruto da religião, de seitas e dos sentimentos e experiências do próprio homem.

Mas, esta consciência foi destruída por verdadeiras charqueadas,a golpes de facão e peixeira que destriparam inocentes espalhando o terror e a morte. Tais atos não são merecedores de perdão e são praticadas até hoje. Entretanto, infelizmente, os vencidos nem sempre tem um Euclides da Cunha para narrar sua agonia e seus ideais.

Em todos movimentos citados a luta sempre foi contra a opressão, a injustiça, a má distribuição de terras, a concentração de riquezas, a falta de oportunidade e assistência social.

O entreguismo, o gravíssimo endividamento, o crescimento econômico quase nulo, a privatização, o desvio de verbas públicas, a inflação camuflada, a impunidade, a morosidade da justiça, a prepotência política e o desemprego nos levam a incerteza e descrédito e a permanência da desigualdade social.

Todas as denúncias citadas no livro vingador “Os Sertões” estão hoje enraizados no sentimento e na consciência do mais astuto sertanejo, do ardil gaúcho, do desconfiado caipira e do humilde capial que se embrenharam pelos sertões a dentro do nosso imenso território na espera do mestre escola, o único elo capaz de conduzi-los no caminho de uma educação libertadora da escravidão do subdesenvolvimento em que vivemos.

Assim, como Moreira César não conseguiu almoçar em Canudos porque foi rechaçado pelos sertanejos que acreditavam em suas próprias forças e coragem, é necessário dar um basta a esta miséria que massacra a nossa população desprotegida. Ou será que teremos que voltar ao passado, a Canudos, e como aqueles pobres sertanejos nos lançar contra as pontas dos sabros, acreditando que a morte seria melhor que continuar a viver como miseráveis e marginalizados neste país tão desigual?

Talvez Euclides da Cunha hoje refletiria melhor ao afirmar que o sertanejo é um forte, mudaria sua concepção optando por afirmar que os sertanejos, os excluídos ou indesejáveis são, antes de tudo, o elemento mais fraco da nossa sociedade.

 
Extraído do Jornal Democrata
 
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