Movimentos revolucionários no Sertão
Prof.
Lásaro Sérgio Dias
Após
cem anos do terrível massacre, “Os Sertões”, mais que atual, permanece
vivo em nossos dias, nas memórias
daqueles que fazem desse livro uma Bíblia denunciadora das questões sociais,
políticas e econômicas pertinentes ao genocídio de uma comunidade pacífica.
Até hoje ainda não levaram para os sertões brasileiros, o mestre escola como
sugeriu Euclides, conseqüentemente, maior é a miséria, maior é o número de
carentes, maior o número de excluídos e desempregados- já somam 11 milhões.
Não só os sertões permanecem esquecidos, mas também nos grandes centros
urbanos os marginalizados aguardam providências e soluções. Multidões de
abandonados permanecem calados e sufocados diante de tantas injustiças, intolerâncias,
sofrimento, abusos, exploração, corrupção.
Podemos
encontrar nas páginas de nossa história muitas manifestações revolucionárias
sufocadas e massacradas pelos poderosos que tiveram seus interesses ameaçados
pelos indesejáveis, uma definição para os excluídos. Já é tempo do nosso
atual e promissor governo mostrar a sua cara aos nossos “Sertões” ignorados
de hoje que agonizam nas filas à espera de um emprego, ao sertanejo das
favelas, dos acompanhados da Volkswagem, do Pontal do Paranapanema, dos
Sem-Tetos de Diadema, daqueles que perecem na miséria, nas tantas “Canudos”
que surgiram ao longo desses 100 anos de nossa história. Não seriam os indesejáveis
os personagens dos primeiros movimentos revoltosos iniciados com a Confederação
dos Tamois, Insurreição Pernambucana, Santidade de Jaguaripe, Santo da
Palmeiras, Palmares, Borboleta Azul, Rodeador, Pedra Bonita, Cabanagem, Muckers,
Contestado, Canudos, Caldeirão, Pau-de-Colher, Quebra-Quilos, Panela, Cangaço,
Vacina, Ligas Camponesas, MR8, MST, até aqueles participantes do crime
organizado que ousa impor e enfrentar os direitos do cidadão nos complexos de
favelados ditando normas à ordem pública diante das forças oficiais que se
mostram incapazes de solucionar e enfrentar a criminalidade, relembrando o caso
Tim Lopes brutalmente assassinado? É conveniente que mais esse caso permaneça
sem solução pois o crime organizado tem raízes profundas nas camadas
dominantes de nossa sociedade.
Assim
como Canudos foi destruída por importunar os poderosos, Tim Lopes e outros que
ousaram mostrar com transparência o mundo do crime, tiveram um fim trágico
restando apenas a história de que um dia existiram.
A
origem de quase todos os movimentos citados foi nas camadas da população
extremamente pobre, semi-analfabeta, humilde e despreparada
para levar os ideais revolucionários
adiante. Esses movimentos também
nasceram no campo, liderados por religiosos que deram inicio a algumas
fracassadas seitas, conduzindo seus
adeptos miseráveis influenciando-os a seguir
suas pregações, rezas, peregrinações, conselhos, a implorar graças
e remissão dos pecados, receitando-lhes mesinhas e prometendo-lhes um
mundo melhor.
Há
algumas visões à respeito de Canudos que podemos considerar para entender os
outros movimentos revolucionários.
Para
os teólogos da libertação: “Canudos era uma comunidade amorosa baseada na
solidariedade fraternal, destruída pelos fazendeiros e seus amigos”.
Para
os ideólogos do PCB: “Canudos foi a mobilização de camponeses conscientes
do conflito e luta de classes”.
Para
Nina Rodrigues: “Canudos foi o primeiro conflito causado pela falta de evolução
social”.
Para
Rui Facó: “Em Canudos, Antonio Conselheiro iniciou uma luta não consciente
contra a monstruosa e secular opressão latifundiária semi-feudal”.
Para
a população rural: “A Chegada de medidas republicanas no sertão significava
mais impostos, mais controle, mais dificuldades, mais sofrimento e mais miséria.”
Canudos e os outros movimentos revoltosos, não
foram lutas e nem rebeliões. Só passaram a ser, após serem atacados por
aqueles que se sentiram prejudicados em seus interesses. Canudos chegou a ficar
30 meses sem chuvas. Seus habitantes ficaram abandonados, desassistidos, sem
socorro, apenas sobreviviam. Cocorobó não solucionou a seca e nem resolveu a
questão da miséria.
Os focos revolucionários resistiam porque a dor
era compartilhada, viviam em paz, havia trabalho, organizavam-se para saciar a
fome, a miséria era repartida, acreditavam num líder, não havia governo e nem
autoridades públicas, se auto governavam em exemplo de sociedades democráticas,
as comunidades eram livres.
Multidões de abandonados sentiam a ausência de
justiça, o isolamento social, a inexistência de leis trabalhistas, o
analfabetismo, a miséria extrema, o desemprego, a fome e a morte que levam o
homem a buscar soluções messiânicas, a proteção de conselheiros, beatos, monges, chefes de quadrilhas e do
crime organizado. E quando essas levas de abandonados se organizavam em
movimento eram chamados de bandidos, vagabundos e fanáticos.
A única forma de consciência do mundo que as
populações interioranas possuíam era fruto da religião, de seitas e dos
sentimentos e experiências do próprio homem.
Mas, esta consciência foi destruída por
verdadeiras charqueadas,a golpes de facão e peixeira que destriparam inocentes
espalhando o terror e a morte. Tais atos não são merecedores de perdão e são
praticadas até hoje. Entretanto, infelizmente, os vencidos nem sempre tem um
Euclides da Cunha para narrar sua agonia e seus ideais.
Em todos movimentos citados a luta sempre foi
contra a opressão, a injustiça, a má distribuição de terras, a concentração
de riquezas, a falta de oportunidade e assistência social.
O entreguismo, o gravíssimo endividamento, o
crescimento econômico quase nulo, a privatização, o desvio de verbas públicas,
a inflação camuflada, a impunidade, a morosidade da justiça, a prepotência
política e o desemprego nos levam a incerteza e descrédito e a permanência da
desigualdade social.
Todas as denúncias citadas no livro vingador “Os
Sertões” estão hoje enraizados no sentimento e na consciência do mais
astuto sertanejo, do ardil gaúcho, do desconfiado caipira e do humilde capial
que se embrenharam pelos sertões a dentro do nosso imenso território na espera
do mestre escola, o único elo capaz de conduzi-los no caminho de uma educação
libertadora da escravidão do subdesenvolvimento em que vivemos.
Assim, como Moreira César não conseguiu almoçar
em Canudos porque foi rechaçado pelos sertanejos que acreditavam em suas próprias
forças e coragem, é necessário dar um basta a esta miséria que massacra a
nossa população desprotegida. Ou será que teremos que voltar ao passado, a
Canudos, e como aqueles pobres sertanejos nos lançar contra as pontas dos
sabros, acreditando que a morte seria melhor que continuar a viver como miseráveis
e marginalizados neste país tão desigual?
Talvez Euclides da Cunha hoje refletiria melhor ao
afirmar que o sertanejo é um forte, mudaria sua concepção optando por afirmar
que os sertanejos, os excluídos ou indesejáveis são, antes de tudo, o
elemento mais fraco da nossa sociedade.
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