Enquanto não caducar a guerra dos ricos contra os pobres, que parece eternizar-se,
Os sertões manterá sua atualidade. Agora é um bom momento para lê-lo e relê-lo,
com nossos olhos saturados pelas imagens de hostes de maltrapilhos e esqueléticos
afegãos, batendo em retirada diante do mais moderno armamento. Imediatamente
nós as associamos a outras, emanadas da Guerra de Canudos.
A presente investida bélica dos Estados Unidos, tal como na campanha brasileira
de 1896-1897, empunha a bandeira de um combate do bem contra o mal, da civilização
contra a barbárie, da razão contra o fanatismo religioso.
Como mostrou Euclides da Cunha, fanático é sempre o outro, sendo mais fácil
dar-lhe um rótulo que perquirir suas razões. Quem vê aqueles pobres-diabos no
Afeganistão abandonando suas aldeias já anteriormente em ruínas, carregando
os parcos haveres, enquanto a mais poderosa máquina militar do planeta os pulveriza
sem clemência, bombardeando escombros, acha difícil aceitar que sejam a encarnação
do demônio. Mas em nosso mundo, um mundo de progresso, de ciência, de saber,
de urbanidade, atulhado de bugigangas e maravilhas eletrônicas, só há lugar
para um fundamentalismo - o do mercado. Nenhum outro deus, que não o consumo.
E só um evangelho, o digital. Qualquer dissidência ou mera divergência é recebida
a bala, como o foi em Canudos. Torna-se urgente ler e reler Os sertões.
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