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Euclides e o berço de Os Sertões
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Profeta do sertão
2003-09-05 10:37:22

 

Untitled Document Profeta do sertão

O polêmico padre Enoque, um dos participantes da Semana Euclidiana, fala com exclusividade ao DEMOCRATA.

Depois de dez anos tentando seguidamente, a Casa de Cultura Euclides da Cunha finalmente conseguiu trazer para a Semana Euclidiana este que é considerado por boa parte da mídia como o "novo Conselheiro". Padre Enoque Oliveira, dissidente da Igreja Católica, é o líder máximo do Novo Movimento de Canudos, celebra periodicamente a chamada "Missa de Canudos" e não poupa críticas à elite brasileira, inclusive a Igreja Católica. Defendendo a reforma agrária ampla, geral e irrestrita, também é simpatizante de Che Guevara e não esconde sua ansiedade por uma revolução social que comece pelo campesinato. Entre outros temas, padre Enoque fala sobre reforma agrária, governo Lula e a inevitável comparação a que sempre é submetido - a de que seria uma espécie de novo Antônio Conselheiro. A seguir, a entrevista.


O que é o Novo Movimento de Canudos?

"É um trabalho iniciado com minha ida ao sertão. Como estávamos no palco da guerra, não poderíamos abandonar essa história. A região de Monte Santo é um centro de romarias com uma carga religiosa muito grande. O Novo Movimento de Canudos é uma experiência que eu chamo de bíblico-religiosa, de libertação. Nasceu tendo em vista o Evangelho, mas buscando caminhar na direção libertária. É um movimento que nasceu com visitas à região, ao local da guerra. Trata-se de uma região maior do que o Estado de Sergipe.

Como dissidente, qual a sua relação com a Igreja Católica atualmente?

"Três vezes me expulsaram. Em Salvador, não me aceitaram. Em Teresina, com aquele cardeal que está atualmente em Brasília e que é um reacionário safado, foi a mesma coisa. O que me interessa na Bíblia são os profetas. Fora dos profetas o que há? Sacerdotes que mandaram matar Jesus ou João Batista? Os sacerdotes formam um grupo que tanto mal tem feito à humanidade e que têm ajudado a enterrar o avanço dos profetas e dos seguidores dos profetas. Meu trabalho seguiu um caminho de confronto com a tendência sacerdotal.

Falta ação por parte da Igreja na questão agrária?

"As igrejas são estruturas capitalistas a serviço do poder. Por mais que queiram se defender, as igrejas são estruturas de poder a serviço do capitalismo. Com tantas mudanças no Terceiro Mundo, na década de 70, criou-se a Teologia da Libertação e a opção pelos pobres. Eu era muito ingênuo e as pessoas me diziam: ´Padre, a Igreja está fazendo isso se aproveitando de uma situação; é uma jogada política para poder se situar dentro de um momento histórico´. E eu pensando que era uma coisa séria. Mais tarde acabaram com a Teologia da Libertação, a opção pelos pobres, tudo na maior desfaçatez. Traíram tudo aquilo. Hoje, a Igreja está voltando a esse velho inimigo que eu tanto combato que é o assistencialismo. Para combater essa situação, só se resolve de um jeito - se não é ópio, é bala!"


O senhor defende uma revolução com guerrilha?

"Acho que só se faz revolução com um povo organizado, desenvolvido politicamente. Eu nunca falei em revolução, porque a revolução pressupõe um povo organizado. Além disso, acho que quem tem que definir que tipo de revolução deve ser feita é o próprio povo. É o povo do Iraque, por exemplo, que deve dizer como derrubaria seu ditador, e não os terroristas americanos."

O senhor vê alguma relação entre Canudos e MST?

"Claro que há uma profunda identidade, embora o momento histórico seja outro. Mas lá na Bahia, o MST não tem simpatia ao movimento popular que nós fazemos. Lá o MST é amancebado da Igreja Católica, essa Igreja que atacou o Antônio Conselheiro e que ataca brutalmente o nosso trabalho, batizando quem eu já batizei só para ganhar dinheiro. O MST representa essa busca, essa vontade humana de espaço. E o espaço do camponês é a terra. Se você tirar a terra do camponês, você o desestabiliza. Não é só um elemento econômico - a terra para o camponês, para as grandes massas deserdadas, faz parte da natureza humana..."

E quanto às invasões? O sr. acha lícito invadir propriedade dos outros?
"Engraçado, a elite brasileira invadiu em 500 anos. A elite brasileira sempre grilou terras. Então eu pergunto: porque o camponês não pode ter terra? Se deputados, senadores, empresários podem invadir e saquear em 500 anos, porque o camponês não pode invadir terras? E mais: a grande maioria das invasões é feita em áreas que o governo já comprou. Estas invasões são apenas a expressão material de uma população humilhada, saqueada e que aprendeu com os dominadores. Mas é claro que se você tem um terreno, conseguido com seu trabalho, produz e vive com sua família neste terreno, é claro que não tem sentido chegar um bocado de gente querendo tomar a sua terra, comprada com tanto esforço. E se por acaso eles tomarem, o governo deve repor os seus direitos."

O senhor também faz parte dos que acham que o governo Lula tem sido moroso demais na questão da reforma agrária?

"Eu não sou analista político. Vivo lá no sertão em apenas dois espaços - em reuniões com o povo ou na biblioteca. Estar aqui em São José do Rio Pardo é um banho de civilização que estou tendo, para usar uma expressão de Euclides. Eu vejo muita exploração de pessoas, que foram militantes românticos, que combatem o governo. Eu comparo o Brasil a uma casa destruída, com a maioria da família doente e endividada lá fora - assim deixaram o Brasil. E esse presidente, que vem do outro extremo, das origens operárias, das grandes lutas do país, chegou ao poder. Mas como chegou ao poder? Rodeado de gatos, cachorros, onças viciados em roubar, em se vender e agora têm que administrar. Não sou filiado ao PT, mas também não sou idiota de apoiar essa direita que estragou o país. Há muitos que dizem que o governo deve romper com não sei o quê, deve fazer a reforma agrária de tal jeito. Como são românticos! Não houve revolução no país, o que houve foi apenas uma eleição."

A mídia costuma compara-lo a Antônio Conselheiro. Há exagero nessa comparação?

"Seria bom se todo pastor ou padre fosse um Conselheiro, que estivesse engajado justamente como Antônio Conselheiro na grande batalha para que essa população tenha como viver livremente, sem a mão sangrenta dos coronéis. Eu tenho uma profunda admiração por Antônio Conselheiro, assim como tenho por Frei Caneca. Sou um admirador dos grandes poetas de lutas, e não dos alienados e coniventes.


 
Extraído do Jornal Democrata
 
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